sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Jantar Surpresa Irrecusável

  Até porque quando não é nenhuma data especial, e um monte de gente aparece do nada, você acha meio estranho. E logo procura uma forma de sair de fininho. Infelizmente saco vazio não pára em pé, e tem dias que não quero ver pessoas. Por isso, a modalidade engula tudo bem rápido, se tornou parte das minhas habilidades. Inseri Charlie nesse meu mau hábito, o de evitar pessoas e situações ao longo do nosso relacionamento. E ele que sempre foi um ser sociável por natureza foi se tornando outra pessoa por minha causa, talvez esse seja um dos motivos de termos nos separado. Viramos um só, e isso foi se tornando problemático. Sabe aquela coisa que os casais parece que viraram aqueles gêmeos super heróis que não se desgrudam, se vestem e igual e agem assim também? Pois é, ninguém nos suportava mais.
 Nos apelidaram casal "síndrome do pânico", sempre fugindo de reuniões com o pessoal cool, ou com aqueles que se acham cool. Eu adorava ter alguém com quem eu podia contar para ser bem esquisita. A família dele assim como a minha adora jantares surpresa, e nós sempre odiamos. Esse é o problema de ainda morar com os pais, do nada você acaba esbarrando com um total desconhecido na sua própria cozinha. 
 Charlie: Esse foi um dos motivos de eu ter saído de casa, ido para outro estado. Aprender a me virar sem a minha família. E o melhor lado disso, é evitar os jantares surpresa. Sabe?
 Era interessante como eu entendia exatamente o que ele queria dizer, sem ele ao menos me explicar. Será se é ruim, ser um pouco antissocial em determinados dias? Eu relaciono esse meu comportamento com a minha personalidade e também com a minha TPM. Agora o Charlie, é porque ele é o Charlie. Ele tem uma habilidade de fazer amizade com todo mundo sem realmente se aprofundar no relacionamento. Tem sempre uma parte dele, que é inacessível, a todos os seus múltiplos amigos e colegas. Ele consegue entrar em contato sem realmente se doar. Já eu sempre tive o problema de me expor demais. Não consegui aprender com ele, eu sempre falo demais, é só começar. Ele acha isso engraçado,  quando vejo já falei o que não devia.
 Várias vezes me arrependi de coisas que disse, que magoaram, ou principalmente irritaram pessoas. Por isso não gosto de surpresas, não suporto mudanças. Convivendo comigo, ele acabou virando um insetinho que se esconde nas sombras também. Acho que começamos a definhar quando ele percebeu que estava indo longe demais, mudando demais, deixando de ser quem ele era. Eu tive meu período longe da família, mas assim que terminei a faculdade, voltei a morar com eles em Brasília.
 Charlie: Quais as novas manobras pra fugir das conversas surpresa, e ir se esconder no seu quarto? Eu sei que você ainda faz isso.
 Capitu: Onde você tá morando agora?
 Charlie: Isso importa?
 Capitu: Sim.
 Charlie: Tô morando no Rio. 
 Capitu: Rio de Janeiro? Que incrível, cidade mais bonita do mundo.
 Charlie: É bom pra mim, muitos teatros, perto do mar. Eu adoro. Mas você não respondeu minha pergunta.
 Capitu: Ah sei lá, ainda me sinto ridícula, sabe como é, não olho diretamente para ninguém, para não puxarem assunto, agora tem os smart fones, finjo que tem alguma coisa muito importante para eu averiguar. Eu sou muito criativa.
 Charlie: Você não acha que está deixando de viver coisas importantes, evitando se relacionar com as pessoas?
 Capitu: Você acha?
 Charlie: Bom depois que a gente se separou ninguém mais me chama de "síndrome de pânico". E quando eu quero privacidade, disfarço muito melhor do que você, disso eu tenho certeza. O ator sou eu.
 Capitu: Eu duvido, sou campeã, em sair de fininho.
  Comemos muito bem, eu macarrão e ele peixe. Meu apetite que tinha sumido fazia uns dias, voltou com tudo. Dividimos bolo com sorvete como antigamente. As vezes tinha uma sensação esquisita de onda na cabeça, por causa dos dejavus, que nosso jantar estava acarretando. Ao ponto dele perceber, e perguntar se estava tudo bem.
 Capitu: Sim, só lembranças. Você também não está se sentindo meio solto no ar?
 Charlie: Como assim?
 Capitu: Eu ando tendo essa sensação, de desconexão.
 Charlie: Você está se cuidando? Eu andei preocupado com você, os portais de fofoca diziam que você estava tendo um surto.
 Capitu: Eu estou me cuidando, não se preocupe.
 Como eu ia dizer para ele, que boa parte do meu colapso era por causa da falta dele? Caí na armadilha de me conectar a alguém de uma forma que hoje eu vejo que não foi saudável. Ele se foi, e uma parte de mim desabou. É não é culpa dele, não é culpa de ninguém. Ficamos um tempo raspando o fundo do taxo da sobremesa e se observando. Era maravilhoso voltar a sentir o cheiro dele, e nossas mãos se roçavam de vez em quando. Ele propôs que caminhássemos um pouco, eu disse que achava perigoso.
 Charlie: Você não relaxa nunca, nada vai acontecer. Onde você está hospedada?
 Eu sabia onde ele queria chegar, com ele tudo se transforma em algo casual. Até transar com a ex esposa.
 Capitu: Nem adianta.
 Charlie: Nem adianta o quê?
 Capitu: Eu sei o que você tá tentando fazer, não é uma boa ideia.
 Charlie: Ninguém nem vai desconfiar... ( e sorriu)
 Capitu: O que? (risos)
 Charlie: Ah, você veio até aqui só pra jogar baralho? 
 Nessa conversa adorável andávamos pelo centro de SP. As ruas desertas, com pequenos grupos aqui e ali, me agradavam e muito, e ele sabia disso. Essa é a minha ideia de encontro perfeito, só eu e ele e mais ninguém. 
 Capitu: Mais quanta arrogância!
 As vezes, ele ficava assim, e isso me deixa feliz, porque no geral ele sempre era muito humilde. Parecia que na minha presença, ele podia soltar os cachorros. Ficava a vontade para ser implicante. Meu telefone tocou e era minha mãe Carolina querendo saber se eu estava bem. Charlie começou a tirar sarro de mim, parecia mesmo que tínhamos voltado no tempo e nada tinha mudado, todo esse exagero de cuidado da minha mãe sempre me irritou e foi motivo de implicância dele.
 Charlie: Deixa eu falar com ela? (sussurrando)
 Estávamos sentados em um ponto de ônibus. Fiz sinal que não, foi quando ele fingiu que ia pegar o telefone da minha mão, mas na verdade me deu um selinho. A boca dele ainda tinha o gosto do vinho que tinha acabado de tomar. Por isso, tinha o rosto de pele muito branca um pouco rosado. Eu devolvi o beijo de forma mais intensa, quando vi estávamos nos agarrando no meio da rua. Coloquei minhas pernas em volta da cintura dele, e ele apertava e massageava minhas costas, e pelo resto do meu corpo. Coisa que eu adoro, sempre fui muito nervosa, e sempre tive muita dor nas costas. Isso sempre me relaxou.
 Rosto quentinho e com gosto e cheiro de vinho, seu cabelo muito fino tinha cheiro de coco, e as roupas de amaciante barato. Charlie nunca usou perfume, eu gostava disso, seu perfume era o cheiro da sua própria pele. Doce, mas um pouco ácida. Eu consigo distinguir de longe. Não sei quanto tempo ficamos assim. E eu que só pretendia voltar para meu quarto de hotel de estudante, minúsculo e com uma cama de solteiro sozinha. Voltei com companhia. 
 Na cama nunca tivemos problemas, pelo contrário, só soluções. Ele gosta de ir tirando as peças do meu vestuário devagar. Enquanto que tira sua própria roupa de uma só vez. Eu sempre achei isso por si só um bom motivo para amá-lo.


Contínua...

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Acho Que Eu Não Superei



 Eu tô só o Júpiter Maça, muito nostálgica. Charlie, ele não saí de mim não importa o que eu faça. Charlie Ouranos Brown, nunca falei muito da procedência do meu ex. O dito cujo veio de Florianópolis, filho de um Inglês com uma Brasileira. Tem aquela aparência de adolescente eterno mesmo já adulto. Quando eu o conheci pensei: "Que garoto feio". Com o tempo achei sua esquisitice linda. Porque ele é esquisito, nunca deixou de ser. Marcou um jantar no mesmo lugar que a gente se conheceu em São Paulo, um bar-restaurante grudento, onde todo mundo esbarra em todo mundo e ninguém liga pra ninguém. Nosso tipo de lugar favorito. 
 Sempre fomos um casal que se tivesse no lugar errado chamaria muita atenção, nossa pele não combina, nossa "vibe", palavra que eu não gosto é bem contrária. Era muito comum as pessoas acharem que nós eramos primos. Ninguém olhava e dizia: "que casal bonito". Sempre um estranhamento constrangedor, por isso escolhemos esses lugares furrecas pra conversar. E beber, com ele eu bebo. Não me dá sono, não entendo a mágica disso, quando bebo sozinha a única coisa que penso é em dormir. Mas os papinhos loucos dele sempre me mantiveram acordada. E dessa vez não foi diferente.
 Lá vou eu de volta a 2013. No Bar, "Um Lugar do Caralho", claramente inspirado no clássico do Júpiter: 


 Eu estudava Relações Internacionais, e ia com a minha turminha da zoeira no final de semana falar bobagem e reclamar da vida. Nessa época Rafaela Chateaubriand era minha amiga, estudava moda, e era bem menos patricinha como é hoje. Não nos reaproximamos porque ela passou a me fazer sentir estúpida quando estou com ela. A Rafaela virou um gatilho pras minhas crises existenciais. Perguntas simples, "de onde vim, para onde vou",  "o que vou fazer da vida", se tornam um inferno na minha cabeça, que me faz pensar em tomar clonazepam, toda vez que ela está presente. Mas enfim, em 2013 isso não era um problema, ela era presença constante, e estava junto quando avistei, esse etezinho que me cativa tanto até hoje, mesmo depois de divorciados.
 Eu bebia minha espanhola de sempre, e a Rafaela com seu Champanhe para parecer mais elegante do que realmente era. E aquela bagunça, gente falando uma por cima da outra, música do Cazuza e da Bebel tocando de fundo na balburdia. Ele já estava sentado lá havia algum tempo mas eu não tinha percebido. Foi quando a Rafa disse: 
 Rafa: Tem um menino com cara de furão olhando pra você já faz uns 10 minutos, eu tô dizendo isso porque tá meio esquisito.
 Me virei, quando o encarei ele sorriu. Eu me virei de volta assustada, nunca fui muito de dar trela para os malucos do bar do caralho, sempre tinha muita gente "diferenciada" ali. 
 Capitu: Não conheço ele, ele tava me encarando?
 Rafa: Ele fica bebendo e te olhando, depois olha para o relógio, olha pra fora, e pra você de novo.
 Capitu: Deve ter levado bolo.
 Rafa: Ele é uma graça porque você não fala com ele?
 Nesse momento, uma das minhas colegas espalhafatosas derramou cerveja no meu vestido. E eu tive que me levantar, pra me secar no banheiro. Sempre me passei por bêbada, por causa dos meus amigos. Quando saí, quem estava na porta, fingindo naturalidade? Charlie, e sua roupa social clássica, um pouco amassada. Ele tava parado bem na frente, atrapalhando a passagem.
 Capitu: Com licença, eu preciso passar.
 Charlie: Eu também preciso passar.
 Capitu: Mas aqui é o banheiro feminino.
 Charlie: Não é unissex.
 Capitu: Não, o masculino é ali do outro lado. 
 Apontei, mas ele nem olhou.
 Charlie: Desculpa na verdade eu só queria falar com você mesmo. Tudo bem? Meu nome é Charlie. (E estendeu a mão para me cumprimentar).
 Eu achei o gesto dele muito formal, e engraçado. Apertei sua mão que era bem suave e quentinha, quase do mesmo tamanho que a minha. E foi aí que meu problema com as drogas começou. Porque ele sempre foi um tipo de droga para mim. Fico me lembrando desse dia, e talvez se eu tivesse saído pela janela do banheiro teria evitado muitos problemas. Mas também não teria vivido tanta coisa.
 Charlie: Eu marquei com um amigo aqui, mas ele não apareceu, ou saiu com outra pessoa, ele já fez isso uma vez e eu não aprendi. Agora eu tô aqui me sentindo deslocado...
 Ele falava e ficava olhando pro meu cabelo, pareceu que ele queria que eu oferecesse um lugar na nossa mesa barulhenta, seis meninas ao todo. Eu não ia oferecer, mas aí veio a Rafa:
 Rafa: Oi tudo bem gatinho? Num quer sentar com a gente? Assunto não falta.
 Fiz que não com ele de costas, mas a Rafaela como sempre só faz o que quer.  
 Charlie: Sim, eu adoraria. 
 E olhava para mim, super feliz. Quando ele sorria, seus olhos azuis se espremiam para mim. E meu olho esquerdo piscou a primeira vez, Charlie sempre fez meu olho esquerdo piscar involuntariamente, desde o dia que nos conhecemos. Isso é um sinal claro de stress, pra quem não sabe. Relacionamento hétero sempre foi um tema que me estressou. Fomos todos a mesa, e eu respirando fundo no meu vestido verde cheio de borboletas, que sempre foi meu preferido.
 Ele se sentou do meu lado na mesa, e pediu outra cerveja.
 Rafa: E aí o que você faz aqui em Sampa?
 Charlie: Estudo Artes Cênicas.
 Rafa: Que maneiro, você vai fazer o nesse ramo?
 Charlie: Sei lá, não sei ainda, ser ator talvez, diretor, construir cenários, qualquer coisa... eu só quero estar nesse meio para ser feliz. (E sorria sempre olhando para mim).
 Charlie: Qual é seu nome mesmo, você me disse?
 Rafa: Rafaela.
 Charlie: Ah sim, não, você das borboletas...?
 Capitu: Capitu.
 Charlie: Capitu? Capitu de quê?
 Capitu: Pra que você precisa saber meu sobrenome?
 Charlie: Não sei, achei seu nome tão diferente.
 Capitu: Estranho?
 Charlie: Estranho legal. Parece meio indígena. Você tem alguma descendência?
 Capitu: Não (risos) é só meu pai que gosta de inventar mesmo. Você também é bem estranho, parece até estrangeiro, tem um sotaque diferente, de onde é?
 Charlie: Nasci em Floripa, meu pai é inglês, acho que eu peguei o jeito dele de falar e do pessoal do Sul, e acabou desse jeito.
 Capitu: Eu gosto é charmoso.
 Charlie: Eu também gosto do seu nome.
 Ficou um silêncio estranho porque a Rafaela sempre era a mais paquerada, acho que ela percebeu que o negócio era comigo e ficou sem graça. Eu também fiquei, nesse tempo ainda era meio tímida. Começou a chover, e com o barulho da chuva o pessoal dentro do bar parece que deu uma acalmada, e passou a falar mais baixo. Essa foi minha parte favorita daquele dia. A energia elétrica ficava caindo, e os garçons começaram a acender velas por todo o bar. Sempre que a luz caía, o pessoal gritava: "AêêêÊÊÊÊêêÊ". Bem clima de quinta série mesmo. Isso fez todo mundo ali naquele dia ficar bem humorado, sorrindo a toa mesmo. 
 A Rafa começou a puxar assunto com as meninas, deixando a gente um pouco de lado.
 Charlie: E você Capitu, o que faz em Sampa? 
 Capitu: Ah eu... eu...
 Tava meio desanimada com meu curso, e não fazia ideia de que um dia ia conseguir entrar para a política. Charlie levantou as sobrancelhas, e arregalou seus olhos para mim, ele sempre se interessou por tudo que eu digo. 
 Capitu: Eu tô aqui estudando Relações Internacionais.
 Charlie: E pretende o que, trabalhar em Embaixada? Fala inglês?
 Capitu: Não falo nada em inglês, porque todo mundo se preocupa com isso? Mas tenho um sonho de entrar para a política.
 Charlie: Sei lá, com inglês você vai para qualquer lugar, mas, putz!, você é louca de se meter nisso.
 Capitu: Porque?
 Charlie: Puta ambiente cheio de gente perigosa.
 Capitu: É, esse é o Brasil né. Mas é um sonho, vamos ver no que vai dar.
 Charlie: Eu tava olhando você ali, e pensei comigo, típica aluna de literatura, errei feio...
 Risos. Assim como eu ele tem esse hábito de observar as pessoas e tentar adivinhar o que fazem da vida. Como elas são no geral, é um vício que nós temos, quase como voyers. 
 Charlie: Adorei seu cabelo (do nada), ele é muito armado, uma bagunça linda.
 Capitu: Como você é brega.
 Charlie: Desculpa eu achei...
 Capitu: Gostei do seu também tem uma cor diferente, nem castanho nem loiro, um meio termo, na luz até parece meio verde.
 Charlie: Verde? Agora você tá me zuando muito. 
 E assim muito fácil nossa conversa fluía, até hoje nunca encontrei outro com quem pudesse jogar conversa fora desse jeito tão confortável. Eu sinto falta. 
  
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 Hoje estamos nós dois de novo no mesmo bar, agora mais silencioso, e coincidentemente tocando a mesma música, que é a minha favorita. E dele também. Um de frente para o outro, um pouco mais velhos, e mais sérios. Seus olhos me dizem que ele tá na mesma que o Júpiter, também não superou. 
  Charlie: Você continua com esse cabelo bagunçado.
 Capitu: E você continua soltando opiniões sobre os outros sem pensar direito nas consequências. E se eu fosse sensível sobre meu cabelo?
  Charlie: Você nunca ligou para a opinião de ninguém. Como eu. Eu adoro isso. Tava com saudade.
 Capitu: Eu não.
 Charlie: Não?
 Capitu: Eu tava ótima.
 Charlie: Fiquei sabendo que você visitou um psiquiatra depois de tudo que aconteceu.
 Capitu: Quem te disse isso?
 Começou a chover de novo, e a energia do lugar acabou de novo. A luz de velas mais uma vez.
 Charlie: A Rafaela.
 Capitu: (suspiro) Eu não falo mais com ela. 
 Charlie: Tá tudo bem com você.
 Capitu: Agora sim, e com você?
 Charlie: Tudo bem também.
 Ficamos olhando para a chuva.
 Charlie: Se o bar inundar que nem em Veneza, eu vou pedir isenção e nem pago a bebida.
 Isso me fez sorrir.
 Capitu: Eu menti, também estava com saudade.



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segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Yoga

 Pratico com aulas pela internet. É um caminho sem volta, yoga é uma delícia, é muito intuitivo e relaxante. Você começa e seu corpo parece que pede mais. Melhora o humor, e aumenta a libido também. O que já dá uma energizada mesmo, literalmente levanta o astral. Você fica mais a vontade com seu corpo, e portanto mais saudável. Andei acordando de madrugada com espasmos de ansiedade pelo corpo, talvez devido a medicação psiquiátrica. No dia que faço minha aula de iniciante, não acordo, durmo que nem um bebê.
 Gostaria de um dia ter a oportunidade de visitar a Índia. Os yogues são muito sábios. Não sei se é muito clichê buscar classes de yoga quando você tem um colapso. Que foi o que eu tive durante meu divórcio. Tentei, mas descobri que a prática da yoga também requer um bolso cheio de reais. No momento estou sem um tostão. Uma pena, fico imaginando eu tentando fazer amizade com meus colegas de prática, e eles querendo paz. Ao que parece, pelo menos no momento minha prática vai ser fundamentalmente íntima, eu comigo mesma. Estou na crise dos 27, agora 28, nunca pensei tanto na minha vida, passado e futuro, nem quando fazia terapia.
 Mas o negócio é real, andei me sentindo bastante esquisita, e essa sensação estranha está sumindo. Nunca deixo de pensar no Charlie, sua carreira internacional anda de vento em popa. Ele foi aceito em uma nova série de mistério, fico feliz por ele. E eu aqui pensando em voltar a estudar. Não esse ano, só no ano que vem. Aliás, o fim de ano é outro motivo para yogar. Sempre me senti muito mau com finais de ano. Não sei direito porque. Fico desconfortável. E odeio os fogos de artifício com barulho.
 Acho bonito eles no céu, mas os silenciosos, com certeza são os mais charmosos, ao meu ver. Não levo a yoga muito a sério, não vejo como prática religiosa, mas sim como algo que me faz bem, me reconecta comigo mesma, e deixa meu corpo mais saudável. Estou precisando desse tempo para mim. Estou evitando os programas  de TV, e assistindo séries mais leves, e confortantes. Tudo para prezar minha saúde mental. Fiquei com raiva de minha mãe Carolina, por não deixar eu assistir um filme de terror um dia desses. Mas agora compreendo que ela estava certa. Não estou bem para isso. Tem dias que parece que voltei a ser criança. 
 Isso é bom e mau. Por conta de Azrael, Charlie e eu mantemos contato. Ele parecia que estava em um relacionamento sério com uma atriz. Mas ao que parece não deu muito certo. Está solteiro como eu. E as vezes me manda mensagens perguntando se eu quero jantar com ele. Essas escolhas que tenho que fazer agora andam me deixando nervosa. É difícil se reaproximar dele, ficou complicado até me lembrar do porque nos separamos. Acho isso perigoso, porque se acabou foi por um bom motivo, esse que eu nem me lembro mais. Mas vou deixar o tempo decidir, não nego que ainda sinto alguma coisa por ele. Ele não mudou nada, continua atencioso como sempre foi. Essa é a característica principal que fez com que eu me apaixonasse por ele. Ele me observa, sempre com cuidado. Eu amo isso. E faz tempo que não me apaixono por ninguém. Esqueci qual é a sensação, mas sinceramente prefiro continuar assim. Me relacionando com a yoga.

quarta-feira, 20 de novembro de 2019

Solidão

 Sempre fui uma pessoa que gosta de ficar sozinha, mas ultimamente percebo o quanto isso pode estar me fazendo mau. Talvez até encurtando a minha vida. Estou num período de pensar muito sobre a minha vida, e também a minha morte. Se eu morresse hoje, o que eu fiz de bom da minha vida. Infelizmente depois de pensar bastante cheguei a conclusão de que nada. Não terminei nada do que comecei. Estou solteira, sem rumo. Sem emprego. Como foi que eu cheguei até aqui?
 Ando pensando nas escolhas que eu fiz, que foi justamente não escolher nada. Porque? Medo. Ando com muito medo, medo de morrer, de ficar sozinha, de não ser amada, de não conseguir terminar os estudos, de não conseguir me sustentar. Tantos medos, e ninguém para compartilhar e ficar mais leve. O que me resta é escrever, porque meu psicólogo Garfield está de férias de mim.
 Voltei para a cidade onde nasci esses dias, e essa sensação de vazio aumentou bastante na interação com a cidade. Fiquei com vontade de perguntar a minha mãe Carolina, qual o motivo dela ter me colocado aqui. Sinto que não sou capaz nem de me sustentar, e um dia não terei o apoio mesmo que desequilibrado de meus pais. Todo dia me pergunto, "o que eu vou fazer de mim"?
 Não sei. E estou com medo. Não sei se vou conseguir voltar a ser como era antes, e voltar a ser feliz, sem nenhum motivo aparente. Estou vivendo um desequilíbrio enorme. Por vezes literalmente, vou calçar uma meia, e quase caio. Não estou reconhecendo nem meu próprio corpo. Eu não tinha medo de nada. Mas agora não tenho vergonha de dizer. Estou com medo. E estou só. Vou ter que reaprender a ficar bem sozinha. E escrever ajuda. 
 Queria data e horário do fim dessa minha fase de solidão.

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Saí da Cadeia

 Finalmente, me sinto bem. Estou adequada a meus remédios, me sinto bem em casa, e as coisas voltam a fazer sentido. Já não sinto mais tanta falta de Charlie. E me sinto bem com meu corpo, estava me sentindo um robô, intoxicada. Me sentia na cadeia que nem o Lula, mas finalmente eu saí. Está até chovendo para fechar com chave de ouro. A única coisa que me incomoda, é a morte da minha gata Luvinha, me sinto culpada. Não sei se eu fui negligente, ou se era para ser assim. 
 Eu fiz o que eu pudia para tentar salvar, não queria que ela tivesse morrido do jeito que morreu. Não merecia, foi muito violento, e ela era muito doce. Até hoje os irmãos dela ficam miando procurando ela. Me entristece, porque também queria ela aqui, era minha favorita da ninhada. O Palácio do Jaburu (voltei para ele) parece pequeno e silencioso, ela era muito alegre, e gostava de brincar com seus brinquedos de gato, era corajosa e gentil, curiosa também. Estou sentindo muita falta dela, tinha umas patas com aparência de ter luvas, por isso Luvinha.

Saudades Luvinha, que se foi muito cedo.

 Não consigo tirar essa gata da cabeça, estou feliz, mas ao mesmo tempo triste. Isso é possível? Sim. Meu filho Azrael não teve tempo de conhecê-la. Ele ia gostar dela. Eu tenho um negócio com números, eram sete gatos, um número que era perfeito, eles eram mais alegres. Agora com o número seis eles me parecem mais tristes. Inclusive eu. Mas ao mesmo tempo mais seguros. Espero que Luvinha tenha reincarnado, ou esteja em um lugar onde ela possa, comer e brincar a vontade. Estou com saudades dela. 
 Vou voltar as atividades do meu mandato agora que saí da cadeia. Voltei a ser Presidente da minha vida. Estou fazendo muitos planos. Agora vamos ver se tudo dá certo, as coisas andam dando errado, ando cruzando com seres que só me fizeram mau. Espero não encontrar nunca mais. E se encontrar que já não me façam mau. Mas eu estou com fé, e o tempo cura tudo. Vou ter fé que tudo acontece por um motivo, é o que me tranquiliza.