quinta-feira, 30 de maio de 2019

Divônica


                          Os grandes fechadores de portais. Cleópatra já sabia.

Capítulo 3 . de “Água Parada”

Faço Orgias Literárias, Beijo Judeus e Marilyn Morreu


Quem é a caça fantasmas?
 Eu tenho a cura, eu tenho a cura da loucura, você não acredita? Estou falando de um lugar que foi blindado de qualquer mau que possa pensar em se aproximar da população. Muitos que olham de fora podem achar que é mera coincidência, obra do acaso. Que nada nesse país de contradições faz sentido. Porque haveria de ter alguém que em muitos séculos atrás colocou literalmente um feitiço de proteção as pessoas que habitam essa amada terra natal. Ele existiu, e passou seu tempo na terra investigando. Criou uma personagem capaz de deixar qualquer pessoa no mundo com inveja. Quem ela é? Descubram vocês. Ela é misteriosa.
 Brasil literalmente “mata com bondade”, e eu vou explicar porquê. Muitos devem estar se perguntando como foi a minha primeira vez. Minha primeira experiência sexual? Não. Minha primeira paixão. Sempre tive quedinhas pelos menininhos na minha sala de aula, mas nunca nenhum deles me fez querer sair da minha inércia. Sou bem preguiçosa. Ficava observando eles fazerem as brincadeiras da garrafa. Aquela em que todo mundo beija todo mundo. Acho que eles pensavam que eu não entrava na brincadeira por medo. Na verdade é porque eu não queria desperdiçar meu primeiro beijo com alguém que não me fizesse ficar confusa. Essa é a paixão, não é amor, saibam disso.
 Eu sou e sempre fui uma pessoa muito centrada. Pouca coisa me abala, e as vezes isso pode tornar meus dias meio monótonos. Por isso sempre busquei aventuras nos livros. Depois que saí do Ensino Médio, fui trabalhar dentro de um condomínio conhecido por ser frequentado por judeus, onde eu por acaso já havia morado por uns anos, porque meus pais já foram caseiros. Meu pai jardineiro, e minha mãe diarista e cozinheira. Passei a trabalhar na administração do condomínio, fiquei atrás de um balcão de segunda a sexta, atendendo telefones, organizando os livros da biblioteca, e a correspondência. Aos finais de semana ficava no SPA, frequentado por mulheres muito exuberantes, e bastante atormentadas. Mas isso é outra história.
 Estava lá no marasmo de colocar a correspondência no devido buraquinho designado aos moradores, quando ele chegou. Sempre fui grande admiradora dos judeus, quando fiquei sabendo sobre o holocausto nas aulas de história, criei em mim uma obsessão. Eu sei que é um pouco mórbido, mas tudo o que eu pude ler sobre o período eu li. Fiz carteirinha na biblioteca da minha cidade, para saber mais sobre isso. Então vocês imaginem como eu não fiquei quando conheci aquele que vou chamar aqui de Alain Delon. Acreditem, sua aparência me lembrava muito o Alan Delon. Tinha um cheiro constante de coisa doce (mas não um doce enjoativo, não gosto de cheiros muito doces), e uma voz suave mais ao mesmo tempo rouca.
 Eu reconhecia a voz dele a quilômetros de distância. Tal qual eu fiquei embasbacada. Depois eu descobri que sua voz era assim por causa do seu vício em tabagismo. Estranhamente, ele nunca tinha cheiro de cigarro, ou de perfume forte para abafar o tabaco. Tinha sido recém-empregado como eu, e sua função era Gerente de Segurança. Andava com sua moto pra cima e pra baixo o dia todo, indo de guarita em guarita, resolvendo os pepinos diários. Para não demonstrar a pamonha que eu virava toda vez que ele se aproximava, ficava sem reação e sem pensar em nada que fizesse sentido para dizer quando ele me cumprimentava, tomei para mim uma postura fria, senhorita de classe, recatada e do lar. Era muito educado, e sabia que era bonito.
 Logo chamou a atenção de muitas além de mim. O que me deixava muito enciumada, talvez até por isso, não mantinha conversas com ele, além de “bom dia”, “boa tarde”, “precisa de algum material de escritório?”. Eu que entregava esse tipo de coisa, para as guaritas e afins. Percebi que mesmo eu evitando ele, a cada dia que passava ele vinha desmatando mais florestas. Poque todo dia precisava de sulfite, e vinha buscar na minha bancada. Com o tempo isso foi me amolecendo. E (vou cortar muitos fatos aqui, eu sei que vocês gostam de fofoca, mas não vou me expor tanto assim) teve um dia, acho que ele percebeu que gosto muito de livros, durante o meu almoço me sentava na biblioteca na frente do “meu posto”, e lia “Alice no País da Maravilhas”, ele veio e ficou “escondido” atrás de uma prateleira. Fingi que não vi, e continuei lendo (sou difícil), mas rindo por dentro, mas ele era tão bonito que não dava para não olhar pra ele. Olhei… e ele olhou de volta. Sorri.
 Saí da minha leitura e fui até ele, ele sabia o que estava fazendo. Escolheu um ponto muito estratégico da biblioteca; podíamos ver, mas não eramos vistos. Achei que por ele ser um pouco mais velho do que, eu tinha vinte e um, e ele trinta e um, ele seria mais maduro. Grande erro, quase gargalhei quando percebi que ele tinha mais dificuldade do que eu para se expressar naquele “momento lindo”, como diria Roberto Carlos. Me perguntou se eu achava que ia chover. Eu: “Acho que não”. E o que eu geralmente fazia ali para me divertir; disse que era mais caseira, mas que gostava de ir ao cinema. De vez em quando saía, mas não muito. Ficou pensativo por um tempo. Dentro de mim eu pensava que ele só queria me comer, e não estava errada, mas essa constatação não me fez perder a alegria, e os ataques diários do coração que eu tinha sempre que ele se aproximava.
 Alain Delon: “Se eu te convidasse para assistir a um filme na minha casa, você ficaria ofendida?”. Na minha cabeça: “De jeito nenhum, iria até agora, subo na garupa da sua moto?”. O que eu disse: “Preciso ver na minha agenda”. Ele sorriu, e eu também, não tinha como não sorrir junto com ele. Sabe aquelas pessoas que sorriem com os olhos? Então… Querem saber mais sobre esse meu affair?

 Parem de tentar me intimidar nas redes sociais, deixem comentários  e sigam o meu blog. Amanhã tem mais.


Continua...


quarta-feira, 29 de maio de 2019

Capítulo 2 . de “Água Parada”

Chiclete com Banana

 Durante a minha prova para tirar carteira de motorista usei um grande aliado que meu pai me ensinou para manter a calma, mascar um chiclete. Não sei porque, mas funciona, relaxa a mandíbula. Se eu tivesse feito isso na primeira vez que fui fazer a prova do carro, não teria reprovado. Tirei carteira AB, durante o teste de moto passei com facilidade pelo percurso em zigue-zague. Mas no dia do teste com o carro, não sei porque, estava muito nervosa. Havia um homem na fila de espera comigo, que não parava de tentar me apavorar. Falava que já tinha feito o teste não sei quantas trezentas vezes. E que, com certeza, eu também não seria capaz de passar. Porque se ele não passou...
 Naquele dia estava de vestido quadriculado azul, usava um colar com a representação de um relógio enorme. Acho que meu colar o perturbou, e ele me pegou para Cristo. Deveria ter, pelo menos, uns trinta anos. O que eu fiz foi concordar com tudo que ele dizia, e depois me posicionar o mais longe possível dele. Porque com gente louca não se discute. Enfim, continuei esperando a minha vez. Não era para ter dado certo naquele dia, entrei no carro e de tão nervosa que estava deixei o Gol preto morrer três vezes. Reprovei. Essa é a única regra para reprovação, não deixe o carro morrer mais de três vezes.
 Mas então o que eu fiz? Desisti? Não. Liguei para minha mãe para desabafar. E depois subi até a autoescola para pagar o próximo teste. Na “Paraíso”, esse era o nome da autoescola, estava me sentindo um lixo. Me cobrava muito, porque pensando melhor sobre isso, eu não tinha muita experiência. Aprendi a dirigir na autoescola, e não muito cedo como geralmente acontece com os meninos. Estava desanimada porque ia ter que tirar do meu bolso essa nova derrota. Mais uma entre tantas.
 Hoje, eu tenho um fusca amarelo banana. E realmente aprendi a dirigir com ele. Dirigir não é só saber os comandos básicos da direção. É saber se comunicar com os outros carros, é saber antecipar movimentos desses outros sofás motorizados que circulam por aí. Se você não souber isso, provavelmente vai ser a causa ou a consequência de um acidente.
 No segundo dia de teste, estava mais confiante, e vestia minha camisa xadrez verde. Que eu considero sendo algo que me dá sorte. E deu. Mas de um jeito que outros não considerariam sorte. O que aconteceu foi o seguinte, estava na fila, com minha camisa da sorte, meu fone de ouvido ouvindo música relaxante, e mascando meu chiclete. As pessoas em volta de mim insistiam em tentar puxar assunto comigo. E eu para não perturbar minha própria paz daquele dia, recusava educadamente, me fingindo de surda. Mas em um momento, não consegui evitar as investidas de uma senhora que queria porque queria contar fatos estranhos de sua vida para mim. Me considero como sendo um ímã para pessoas que precisam desabafar. É incrível, eu sento em qualquer lugar, e alguém se aproxima de mim para me contar algo muito íntimo de sua vida. Lembro de um dia que um senhor estacionou sua Cherokee perto de mim quando eu estava num ponto de ônibus, e me contou que no dia anterior o seu filho, que era bombeiro, havia morrido naquele ponto da estrada tentando salvar alguém de um acidente de trânsito.
 Ele se sentia desconsolado e não entendia porque aquilo havia acontecido, fiquei ali com ele simplesmente ouvindo tudo e me compadecendo. Depois que seu relato acabou, ele me perguntou se eu não queria uma carona… Não me entendam mau, eu confio nas pessoas, percebi que ele se sentiu melhor depois que me contou aquilo. Mas de jeito nenhum eu ia entrar no carro de um desconhecido. E se ele mentiu? E me contou tudo aquilo apenas para que eu entrasse no carro dele? E se ele fosse um assassino? Ou talvez ele só quisesse companhia, perder um filho deixa qualquer um sem rumo. Mas na dúvida… prefiro continuar na dúvida. Respondi: “Não obrigada, meu ônibus já está vindo, meus pêsames ao senhor e sua família, e se cuide”.
 A senhora que puxava assunto comigo naquele dia estava me estressando a ponto de eu começar a rezar pedindo que ela parasse. Quando de repente escutamos uma batida metálica, uma das candidatas a CNH havia metido o pé no acelerador e batido o carro na cerca dentro do ginásio de esportes que fazíamos o temido teste da baliza. Ela saiu transtornada do carro, gritando e chorando que tinha perdido o controle do carro. Depois dessa todos se manifestaram, tinha gente que zombava da pobre mulher, tinha gente que xingava, tinha gente que reclamava que isso ia “atrasar mais a vida deles”. Que horas aquilo ia terminar?
 Nessa, o mesmo rapaz que no meu último teste zombou de mim, que eu não seria capaz de passar, achou uma boa ideia puxar briga com um dos instrutores da baliza. Ele infernizou tanto a cabeça do cara, que ele chamou a polícia. Fiquei ali perplexa observando aquela balbúrdia. Ninguém acreditava no que estava acontecendo, vimos um rapaz passar de mero candidato a CNH de carro, a novo presidiário. Depois que ele foi levado de camburão, num show pirotécnico o instrutor veio até mim e disse: “É sua vez”. Vocês podem pensar que toda essa situação me paralisou. Mas na verdade, foi o que me deu um impulso. Eu não desejo o mau de ninguém, mas acontece que perceber que o pior que podia acontecer comigo naquele dia, já tinha acontecido com outra pessoa, me deixou leve.
 Poderia reprovar, mas, pelo menos, presa eu tinha certeza que não iria. Entrei no carro, fiz a baliza normalmente e saí para fazer o circuito fora do ginásio. Vi a primeira placa, que me lembro que o símbolo dizia para não entrar a esquerda, e eu sempre cheia de dúvidas perguntei: “Entro na esquerda?” Ao que ele respondeu: “Você é que sabe...” Ok, foi um pouco imbecil fazer uma pergunta dessas, isso fazia parte do teste. Pensei por uns três segundos e entrei na direita. É estranho que quando se está sendo testado de qualquer forma, algo que para você é simples, se torna complicado. Fiz o percurso por um curto caminho e o instrutor pediu para eu parar, era a vez da moça que estava junto de nós no banco de trás. Trocamos de lugar, e passei pela tortura de ver de camarote ela sendo testada. Estava nervosa demais. Mas aparentemente passou também.
 Digo isso para mostrar que não sou mais uma adolescente. Apesar de criar gatos como uma criança. Mas não posso fazer nada a esse respeito, acho que meus gatos me protegem de almas das trevas. E eu tenho como provar, vocês querem saber? A natureza é muito mais sábia do que vocês podem um dia pensar.


Continua...

terça-feira, 28 de maio de 2019

Água Parada

     A Gata Desaparecida

Eu tinha uma gata, uma gata perfeita, listrada, ágil e com lindos olhos amarelos. Em volta dos seus olhos, havia um delineado preto o que dava a ela um ar de Cleópatra. Eu me apaixonei por ela porque era atlética, esbelta, misteriosa e astuta. O único problema é que quando eu prendia ela dentro de casa para que eu pudesse ir estudar, ela ficava miando enlouquecida porque queria sair. Ela gostava de um pequeno pé de limão que fica no quintal da minha casa.
 Eu me lembro o dia que depois de muitos em que ela esteve presa dentro da minha casa (porque ela era filhote e ainda muito frágil), eu finalmente deixei que ela saísse, foi de uma alegria total. Um vento soprou e uma das folhas, do pé de limão flutuou. Ela levantou seus olhos amarelos para aquele fenômeno natural, e começou a brincar com a folha. Da forma típica que os gatos brincam, rápidos, alegres e um pouco selvagens. Mas não se preocupe, porque a sua selvageria sempre é usada apenas para mexer com você da forma mais astuta possível.
 Gatos são perigosos, é como se eles fossem místicos. Eles enxergam em você aquilo que ninguém vê, ou não tem coragem para olhar. As vezes eu tenho a sensação que eles até podem ouvir pensamentos. É assim que eles chegam de mansinho e roubam o seu coração.
 Eu sou estudante de psicologia, minha corrente psicológica escolhida é a psicanálise. Meu professor favorito é o Tácito, ele fala de Freud com um deleite de dar inveja a qualquer um, quando este consegue ver o prazer que ele tem de ensinar. Talvez justamente esse gozo que ele tem em partilhar o que sabe aos alunos de todas as correntes psicológicas, é o que torna ele tão especial para mim.
 Por muito tempo eu andei deprimida e não sabia bem o porque, tinha uma sensação estranha de que era muito inadequada. Nasci em um hospital Universitário no Brasil, em uma cidadezinha chamada Bragança Paulista, a “Terra da Linguiça” como todos chamam. Mas morei minha vida toda em Atibaia, cidade vizinha e de cultura asiática, aqui como se diz; é a “Terra do Morango”. As famílias tradicionais daqui cultivam morangos no terreno de suas casas, e anualmente promovem uma grande festa em celebração ao morango. Comemos morango com chantili, morango com cachaça, morango com sorvete, morango com chocolate...
 O telefone da minha casa toca o tempo inteiro, quando não é merchandising de algo que não preciso, e não tenho o menor interesse de adquirir, é alguém fazendo cobrança das dívidas históricas da minha mãe. Sempre que vou buscar o telefone dela para que ela resolva seus próprios problemas sozinha, alguém do outro lado da linha desliga. Minha mãe apanhou a vida inteira do meu pai, e da própria vida, sem saber exatamente o porquê.   Eu sei porque, e não precisa ser muito inteligente para identificar, apenas é preciso ser um bom observador.
 Minha mãe busca algo que não existe, é invisível, mas, ao mesmo tempo, parece estar em todos os lugares da fase da terra. Quem ela é? Ao final desse história você vai descobrir… A única coisa que você precisa saber, é que ela me odeia. Sim. Minha mãe me odeia. Eu também achava que não fosse possível uma mãe odiar um filho, até alguns anos atrás. Achava que isso só acontecia em filmes. Era inocente e não via as coisas com clareza. Mas hoje eu vejo, ela sente um ódio tão tremendo por mim que passou toda a sua vida me sabotando. Ela tem grandes olhos que viajam para todos os lugares do mundo,a minha amada mãe.
 Meu nome é Horrana (quer dizer família em Havaiano) e vocês devem estar se perguntando de onde veio esse nome, pois bem, veio de um programa de TV muito famoso no Brasil. TV Xuxa, minha mãe e sua amiga assistiam ao programa e uma moça da plateia conversou com a apresentadora, e disse seu nome, que no caso agora é o meu. A amiga da minha mãe disse; “Porque você não coloca esse nome nela? É diferente...”, e minha mãe que estava grávida de mim achou uma boa ideia, esse nome soa bem. Pelo menos é isso que ela me conta. Quando fiquei sabendo dessa informação por ela, achei meio negligente. Parece que quem me deu minha própria identidade foi outra pessoa.
 Eu assistia a “Nave da Xuxa” sempre, me lembro do dia que os Mamonas Assassinas foram ao show, quando o Ayrton Senna foi, e quando a “Nave da Xuxa” pegou fogo. Desse dia eu me lembro com muito mais clareza. A morte é algo que permeia o dia a dia do povo brasileiro, sofremos perdas terríveis durante nossa vida. No dia da notícia da morte dos Mamonas Assassinas, eu me lembro de onde eu estava, minha família costumava se mudar muito. Mas eu me lembro bem onde eu estava, acho que todo brasileiro se lembra desse dia, porque foi um choque muito grande. Eles são uma banda de rock nacional que representa a alma brincalhona do povo, eram muito inteligentes e irreverentes, uma esperança para um futuro de sucesso.
 Todas as crianças amavam as músicas deles, eu amo até hoje. Saber que eles não iam voltar nunca mais, foi meu primeiro contato com a morte. O segundo foi a morte do Ayrton Senna, até hoje não entendo porque ele simplesmente não ficou em casa naquele dia. Talvez ele se sentisse pressionado a ser o único herói do país, morreu com um golpe brutal no coração. Justamente onde era o seu ponto fraco.
 Escrevo porque quero fazer uma denúncia. Tem alguém aqui que está me matando lentamente, de dentro para fora. Destruindo meu psicológico, minha autoestima, e meu corpo físico e espiritual. Nunca fui uma pessoa muito religiosa, para falar a verdade nunca acreditei em Deus, propriamente dito. Mas de uma forma contraditória sempre rezei, não uma reza do tipo: “Deus, proteja a humanidade e ajude todos os necessitados”. Não que isso não seja legítimo, mas devo dizer que eu rezava por mim. O conteúdo das minhas rezas era: “Que Deus me proteja, me ajude a continuar sendo uma pessoa boa para mim mesma, que eu saiba me proteger quando tentarem me agredir, e que proteja meus gatos e meu cachorro”. Risos. É triste, mas eu apenas me sinto bem e protegida quando estou com meus gatos.
 Minha primeira gata a rajada, com olhos de Cleópatra se chamava Psiquê. E era uma alegria, uma companhia que me acalmava e alegrava no fim dos meus dias, e nos finais de semana também. Me divertia ensinando ela a brincar com qualquer coisa que eu encontrasse em casa. Essa é uma das melhores coisas nos gatos, eles tem a má fama de serem interesseiros, e de gostarem de coisas caras. Mas a verdade é que eles gostam e brincam com as coisas mais inusitadas, brinquedos reciclados são os favoritos. Quem nunca gastou dinheiro a toa comprando um brinquedo para um gato, e ele se divertiu mais com a caixa do que com o brinquedo em si?
 Pois bem, estava eu em uma aula extremamente chata. Com um novo professor que aparentemente tinha acabado de voltar da Europa. E tinha como único objetivo durante as aulas bater papo com os alunos (acredito que os Europeus não são muito de papo, e ele estava carente). A ideia era que ele fosse o supervisor dos estagiários, mas eu tinha a terrível sensação que ele só usava as aulas pra falar dele mesmo. Foi quando vi uma joaninha vermelha pousar em cima da minha bolsa marrom. Para alguns, joaninhas são sinais de sorte, e para mim também. Várias das minhas colegas tentaram pegar a joaninha com as mãos. Mas ela veio diretamente para mim, sem nem que eu fizesse esforço. Ela subiu em cima da minha bolsa, uma bolsa vintage que eu comprei em um brechó. E ficou circulando em cima dela durante um bom tempo. Ver aquilo me deu angústia.
 Depois voou para cima do lustre na sala. Antes de sair de casa, minha mãe me convenceu a deixar a porta de casa aberta para que a gata pudesse entrar e sair a hora que quisesse, e eu burra, achei que era o melhor a ser feito. Acontece que enquanto via aquela joaninha, vocês podem achar que eu sou louca, mas, imediatamente pensei: “minha gata morreu”. Tive a sensação de que ela deu um jeito de vir até mim. Aquela joaninha que pousou em mim, era minha gata. Voltei para casa angustiada, estava ainda aprendendo a dirigir direito. Tinha recentemente ganho um fusca bege, da minha mãe e pai, e estava ainda com certo receio de dirigir dentro do estacionamento da faculdade. Sempre abarrotado de carros, e muitos deles estacionados de forma incorreta. O que atrapalhava mais ainda na saída.
 Quando voltei para casa, vi a porta de correr da cozinha fechada, o que me deixou puta da vida, porque não teria mesmo como ela entrar nem se quisesse. Chamei ela balançando o pote de ração como de costume, e fazendo aquele chiado que fazemos quando queremos chamar um gato. Batendo a língua entre os dentes, e fazendo um barulho semelhante ao chocalho de uma cobra Naja. Chamei, chamei e nada dela. Ela que era tão rápida, que assim que eu chamava vinha correndo subindo as escadas, e fazendo um barulhinho muito fofo de ronronar característico. Como não veio, eu parei de chamar e fui para o meu quarto me sentindo amortecida, pela falta dela.
 Ainda em negação, pensando que talvez ela voltasse, e que nada tinha acontecido. Me sentei a frente do computador, e senti um farfalhar de vento entrando no meu quarto. Minha cama fica atrás da minha mesa de estudo. Psiquê, esse era o nome dela, entrou no meu quarto, e se sentou na minha cama. Se ajeitou como sempre fez quando estava corpórea, em cima da minha manta com listras rochas e azuis-claras. Tive a sensação nítida de que ela estava no meu quarto comigo. Me virei, mas não a vi em cima da minha cama. Senti medo. Sim, medo de um gato fantasma.


Continua ...