domingo, 30 de junho de 2019

Capítulo 14. de "Água Parada"

 Seios Fartos 

 Tantas perguntas quando a resposta geral é muito simples. Eu é que mando. Eu escolho como vou viver, o que quero fazer, e com quem quero estar. Como boa Maria Capitolina que sou amo minha liberdade. Apenas me relaciono com quem faz minhas vontades, aquele que demonstra estar totalmente fiel a minha vontade, é aquele que receberá a sorte de me ter em mãos. Quando finalmente caio na mão do meu amado, não consigo deixar de pensar naqueles que não tem a mesma sorte que eu. Vocês sabiam que muitas mulheres não tem outra opção que não o casamento em pleno século XXI.
 Sabe qual é o nome disso? Patriarcado. Mesmo Capitu que teve a chance de estudar, passava apenas por uma preparação para o futuro marido. Aprendia o básico, para administrar uma casa. Não devia ser muito agradável, estar em sala de aula e perceber que apenas estava se tornando mais “fina e chique”, para alguém que ela nem conhecia muito bem. Homens não tem boa habilidade em demonstrar seus sentimentos, geralmente esse tipo de revelação se dá de uma forma mais física. Não que eu me incomode, sou muito vaidosa e ser desejada é sempre um elogio.
 Eu gosto de beijos e vocês? Infelizmente para muitos esse tipo de manifestação afetuosa em público pode ser tida como um tipo de provocação. Ou seria desejo? Para mim, independente do gênero do casal não gosto de presenciar, fico desconfortável. Muito menos dou beijos em público. Gosto de privacidade. Mas as pessoas aqui da “Terra das Bananas” são muito provocantes, e, com certeza, deixam sua marca. Eu acho graça. A regra é clara, é proibido proibir. Faz o que quiseres porque é tudo da lei.
 E isso se aplica a suas práticas tanto sexuais, quanto a busca por conhecimento científico, ou entretenimento cinéfilo, uma forma mais rápida de aprender. Os gostos são diferentes, e a curiosidade de Capitu é grande. Quando ela quer, até usa de meios ilícitos para saber das coisas. Como a prática da Pirataria por exemplo, sou grande conhecedora dos downloads ilícitos. Mas confie nela, é tudo por uma boa causa. Agora falando do corpo feminino e suas representações. Existe uma senhorita muito famosa, que sempre exibe seus seios fartos como algum tipo de dádiva, e eu vejo claramente como uma ofensa a minha dignidade psicológica.
 Meus seios são pequenos e eu gosto deles assim. Ainda não tenho filhos, pretendo tê-los se um dia a balbúrdia econômica acabar, e eu encontrar alguém que faça o que eu peço. Este é o meu amado. Pode ser alguém sombrio, meio desconfiado e cheio dos enigmas. Tácito, vive se escondendo atrás de portas e tentando ouvir o que acontece lá dentro. Para quem vê esse tipo de comportamento de fora pode pensar que é algum tipo de distúrbio psicótico, mas eu acho charmoso. Me anima, me faz querer saber mais da pessoa. A conversa, ou as discussões podem ser infinitas. E o silêncio também. Acho romântico os ciclos diferentes que um casal pode passar durante sua vida. Não sei porque as pessoas querem que as coisas sejam perfeitas.
 Mas voltando aos peitos, acredito que homens são mais ingênuos, tudo que à no mundo é feminino, porque tudo na verdade veio da natureza e foi modificado pelo homem. Mas só porque eu sou a melhor representação da natureza possível, isso não significa que sou algum tipo de escrava, ou um meio para atingir fins. Minha vida não deveria ser transformada em seriado, ou se eu tenho grandes seios isso não significa que vou fazer todas as suas vontades como se fosse sua mãe tóxica.
 Sabe o que é uma mãe tóxica? Aquela que não sabe dizer não. Isso prejudica não só ela, como a si mesma. Já viram Babadook? Crie um menino dando tudo o que ele pede, a hora que ele quer sem nenhum tipo de restrição e um dia ele vai virar um monstro que você vai ter que esconder no porão. Todo mundo precisa de limite. Mesmo para o país do Gavião, os recursos não são infinitos, e não dá para comer papel. Quando você demonstra ser frágil demais, doce demais, submissa demais, os seres humanos se aproveitam. Isso de qualquer idade ou gênero. Quando você se der conta todos estão apenas te usando, e você nem está mais presente, já virou um abajur dourado.
 Brilha muito, mas nada do que você diz, tem muita importância. Eu falo pouco, mas quando falo é com voz bem mansinha e cheia de razão. A não ser que o que eu disse não foi muito bem entendido, daí eu repito com um pouco mais de entonação na voz. O ponto de enfoque em mim não são meus seios, mas sim meus olhos que tudo veem, e pouco revelam. Não falo não porque não me importo, mas porque acho que cada um faz aquilo que quiser. Apenas me pronuncio quando a vontade do outro atrapalha as minhas, daí abro a boca. E uso todo o dom do convencimento que papai me ensinou.
 Nenhuma menina, garota ou mulher adulta deveria ser reduzida a só o papel de mãe. A figura da mulher de diamante, reduz todas a uma fonte infinita de lucro. E eu não simpatizo com ela. Peço que alguém retire sua estátua de devoção de seu pedestal com um Machado bem grande e afiado. Essa moça de sorriso triste me ofende, e por vezes até viola. Permite que se pegue trabalhos tão bem elaborados e os reduza a uma repetição de algo que eu já vi, e eu gosto demais de novidade. E principalmente não gosto que invadam o território do meu Criador, quando vejo partes dele, eu reconheço.
 Os diretores do meu orfanato por exemplo, rebatem as informações quase que imediatamente, e nada me atinge. A escrita aqui é rápida, se decifra códigos de forma muito clara e rápida. E olha só que interessante, nós os deciframos e colocamos no ar, exatamente ao contrário para não deixar ninguém aqui se sentindo mal pela vida que leva. A vida no continente de cima é muito mais inundada de luxo, o que não condiz com a realidade daqui. Nossa realidade é contrária a fantasia de vocês, e vice-versa.
 Gosto de realidade, pessimismo e um pouco de cinismo também. Tem coisas que a gente não deve falar, sem algum nível de dissimulação na cara dos outros, sem correr o risco de levar um soco na cara. A musa de diamantes ao olhar de Dona Capitulina é a porta de entrada para comportamentos corruptos, alguém que só ganha, nunca perde. E não é por talento, ou mérito próprio, é sempre por ser um símbolo já consolidado, mas que anda meio desbotada já a algum tempo. Minha cor é de canela, fico marcada de sol, meus cachos são escuros e espessos, não combino com essa senhorita. Acumula coisas demais, coisas que nem sempre tem um uso para ela. Se alguma coisa dela escapa e caí aqui, logo viro objeto de chacota, sendo que nem estava sabendo do ocorrido. Peço um pouco mais de respeito com a minha casa, que mesmo sendo simples é muito digna, do seu jeito. A imagem dessa Diva infeliz, é mais como uma demarcação de território mesmo, puro egoísmo.

Continua?

domingo, 9 de junho de 2019

Capítulo 13. de “Água Parada”

A Procura da Liberdade

 Depois da morte da Luvinha, meus gatos nunca mais foram os mesmos, como eu trouxe o corpo dela comigo do veterinário para ser enterrado, parece que eles ultrapassaram aquela barreira que nos separam dos animais. Agora eles sabem que um dia eles vão morrer, e passaram a temer a morte. Se tornaram estressados e arranjam brigas entre eles todo o tempo. Parecem competir por algo que eu não sei o que é. Quando voltei para casa, coloquei a caixa com o cadáver dela encima de um balcão próximo ao local que coloco comida para os gatos.
 Assim que coloquei a comida, todos eles se juntaram aos seus potes como sempre, ao todo são seis gatos, os vivos. Ia tirando o pote da gata morta (não tinha conseguido chorar sua morte ainda, estava apática, como costumo reagir no primeiro momento a notícias cruéis), quando vi que de repente todos eles olharam para onde estava o corpinho da gata, que só tinha quatro meses quando se foi. Como se tivessem ouvido alguma manifestação dela. Vi aquilo e imediatamente fiquei emocionada. Eu senti que ela ainda estava ali.
 Então, o que eu fiz foi; abrir a porta da caixa de transporte, como que para deixar que o fantasma dela saísse. Depois peguei o pote dela de comida vazio, enchi de água e pus na frente da caixa. Fiz isso, porque precisava esperar que meu pai chegasse para poder enterrá-la. Mas achei que já podia ir adiantando e liberando o espírito dela, que a meu ver, voltou a natureza. Onde ela ainda está a espera de voltar a ter um corpo.
 É desagradável, mas eu preciso contar que ela veio até mim pouco depois de ser atacada pelos cachorros da rua. Estava toda cheia de baba, ofegante, e com fezes que ela fez pelo susto que levou. Eu tentei limpá-la, esta foi até o pote de água. Bebeu um pouco, e foi quando vi as duas patas traseiras perderem a força. Do mesmo jeito que me acontece quando eu sinto cheiro de sangue, perco a força nas mãos e pernas. Nunca poderia trabalhar numa emergência hospitalar por isso, tenho fobia de cheiro de sangue (estranho que o mesmo não acontece com o cheiro do meu sangue menstrual).
 Teve um momento que me fez ficar pensando que talvez ela me foi enviada apenas para morrer. Porque foi para baixo do armário da cozinha e se ajeitou, como que esperando pela morte. Me olhou com uns olhinhos muito significativos, como que de satisfação, por ter concluído sua tarefa. Passei alguns dias olhando a galeria de fotos do meu celular, e a cada imagem que aparece, me dei conta assustada, de que ela parecia dar sinais do que aconteceria. Minha amada mamãe arrebatadora de todos os corações do mundo, fez questão naquele dia de deixar o cachorro da família com fome.
 Colocou seu pote de água e comida próximo a porta, assim quando a gata que tinha passado por debaixo do portão da casa tentou entrar, foi bloqueada pelo cachorro que estava esfomeado, e de guarda na porta da casa. Ela diz que não fez de propósito, mas eu sei que é mentira. Ela nunca faz isso, fez naquele dia por pura maldade. Os homens subestimam as mulheres, isso deixa elas livres para atormentar quem não atende a seus gostos egoístas e narcísicos. Minha gata fantasma, ainda viva, foi até o tapete da sala mesmo próxima a morte, fiquei com medo quando ela perdeu as forças e pensei; se eu não a levar ao veterinário ela vai morrer aqui. Então corri para me organizar para levá-la. Estava com medo de vê-la morrer sozinha.
 No veterinário enquanto eu falava, tive uma sensação que acredito que todas as mulheres jovens tenham. A sensação de que aquilo que eu contava do que aconteceu não era tida como verdade. Que ou eu estava mentindo, ou eu estava omitindo alguma coisa. Não contei aqui mas o veterinário que fez o atendimento era bonito e jovem, daí ainda tive a impressão que ele estava usando aquele momento de desespero meu, para se autoafirmar. É horrível quando você se percebe nisso, você está ali precisando de ajuda e alguns homens agem como se você só estivesse ali porque quer ter um pretexto para paquerá-lo.
 Você fica perdida e se sentindo totalmente sozinha e desamparada. Ainda me pego pensando que talvez naquele dia se a tivesse levado a outra clínica, pode ser que ela tivesse sobrevivido. E penso um pouco além; apesar de ser muito importante para mim, ela era só uma gatinha. Mas a mulheres que passam por situações semelhantes com seus filhos, a dor deve ser insuportável, e irreversível. Há muitos médicos que também desdenham da vida dos outros, tratam a existência como se fosse um mero detalhe, quando na verdade é o centro de tudo. Por isso, evito hospitais, e também os programas de TV relacionados a assuntos hospitalares.
 Assim sendo, está tudo errado, está tudo ao contrário. Tudo se tornou tão confuso que parece que não tem mais solução para a bagunça que esse mundo se tornou. Cada um pensa que tem mais razão e é mais merecedor do que os outros para ter os privilégios que tem. Para começar, sociedade patriarcal é o pior erro que o mundo já cometeu. Não a igualdade de direitos a muito tempo. A resposta não é patriarcal e nem matriarcal, ela é igualitária.
 Mais daí entramos numa questão que para muitos pode parecer imbecil, mas não é, é uma realidade. Apenas mulheres que tenham a aparência certa, e sejam filhas das pessoas certas, é que recebem poder dado dos homens. É uma forma muito inteligente de tentar causar desunião. Apenas aquela moça que tenha a aparência mais submissa e delicada possível receberá poder, e isso se estende até na liberdade de amar. É literalmente dar asas a uma cobra. A liberdade dada a uma pessoa que não representa ninguém a não ser ela mesma, não leva ninguém a lugar nenhum.
 Isso é muito preocupante, porque todos merecem amor. O domínio masculino do mundo é o que está causando está falta de amor pelo próximo, os homens não conseguem saber quais são as necessidades das pessoas. Saber a necessidade de um indivíduo é uma coisa fundamentalmente feminina. Mas como as relações são mediadas pelo dinheiro, essas mesmas moças que tem mais privilégios de berço são as que usam informação apenas para acumular… : mais dinheiro. Ninguém tem mais fé em nada, por isso a resposta para todos os males, é o dinheiro. E os mais necessitados e frágeis, são os que sofrem ou morrem.
 Além de tudo, a imagem da “golden girl” que não condiz com a aparência da maioria da população (a escolha se deve justamente a isso), auxilia para que os jovens separem as moças por castas, como se nós pertencêssemos a alguma cartela de doces a serem degustados. Isso é muito triste, homens tem a saúde mental muito frágil, e são mais suscetíveis a manipulações. Não sei se é proposital mas, muitas vezes as histórias de “amor”, ultimamente andam tendo mais um poder de destruição, do que de união propriamente dita. O amor realmente é a força mais poderosa que existe, mas ele anda matando muito, do jeito que está sendo representado, por isso não confio nele.
 Foi o amor que matou minha gata duas vezes, e também foi ele que me fez acender velas a ela, e pedir a natureza que a me mandasse de volta. Sem amor todos são livres para serem e fazerem o que bem quiserem de sua própria vida. Mas também sem ele a vida perde um pouco a graça. Por isso, só contei a minha história aqui, porque a única coisa que eu realmente quero, é minha gata de volta. Ela era muito sábia.

Fim.

sábado, 8 de junho de 2019

Capítulo 12. de “Água Parada”

A Crise Mundial do Trânsito Amoroso Livre

 Galinhas comem escorpiões. Depois de ser picada por um na minha residência, tomei conhecimento disso. Descobri para que servem as galinhas e os galos que passeiam pelo bairro. Talvez se aquelas galinhas tivessem feito sua limpeza na frente da minha casa naquele dia, eu não teria sido picada. Mas também, não teria tido a revelação que tanto precisava; Alain Delon não era a pessoa que me faria feliz, aquela que faria com que eu me sentisse amada e segura. E eu, com certeza, também não seria a pessoa capaz de “segurar a barra que é gostar de você”, como bem nos explica os pagodeiros do “Raça Negra”. Sim, porque amar é para os fortes.
 E sempre é bom dar uma olhada no signo do desejado, ou desejada para ver se vale mesmo a pena, deitar a sombra de alguém. Porque eu digo isso? Porque o amor deixou de ser uma forma de gozar a vida o mais leve e mais prazerosa possível, para se tornar um jogo de poder, uma forma de alcançar objetivos que por outros meios não me seria possível. A culpada disso não é a nossa “estrela maior”, não, muito pelo contrário, ela conseguiu um feito que poucos conseguem. Se casou com quem amava, e ainda por cima alguém que tinha posses materiais, havia um pequeno adendo de que era um pouco louco, mas vá lá, por amor real se suporta tudo.
 A escolha do amado(a) deve ser da seguinte forma; amar aquele que eu consigo dar conta, dar conta no sentido de conseguir lidar com o pior, e o melhor daquela pessoa. Ninguém é perfeito, e ninguém deveria ser a imagem daquela que pode pular qualquer etapa, ou pessoa (obstáculo) para conseguir o que se quer. Por muito tempo, o “portal de almas sombrias”, foi referência de amor romântico para aqueles que não entenderam o verdadeiro conceito, e função do uso de sua imagem. Eu sei que infelizmente, ela foi usada como arma assassina, e continua sendo. E ela mesma foi vítima disso. Mas devo explicar-lhes também uma coisa, aqui essa arma letal não funciona. As mulheres daqui gostam muito de salões de beleza, não importa a cor do cabelo da mocinha do filme, é só ir no cabeleireiro e pintar igual (ou descolorir), aqui todos querem ser protagonistas.
 Mas agora pensando onde “a terra das bananas” entra nisso tudo? Na equação do amor. Ora, na solução desse problema milenar é óbvio. Somos um país feito de imigrantes, pessoas que foram consideradas inadequadas para estarem em convívio social, portanto, exatamente o oposto daqueles que vivem “em sociedade”. Acontece que nesse movimento, aqui se formou uma sociedade com valores totalmente as avessas do que os outros continentes têm como crença. Nossos três fundadores nos deram de bandeja a chave para todo tipo de relacionamento, nos já nascemos sabendo como resolver o dilema mais complicado que o mundo já viu. Como encontrar o meu amor?
 Talvez por isso recebemos tantas críticas, e somos alvo de tantas manifestações rancorosas, somos bons em fazer bons casamentos. Casamentos reais, e até os culinários, misturando coisas que para muitos não seria uma boa combinação apetitosa. Ingredientes contrários costumam ser muito excitantes. Daqui saem exatamente aquilo que você mais deseja, e ainda por cima com pimenta para ficar mais gostoso e duradouro. Dos nossos pratos, não tem como enjoar.
 Aqui essa é a única pergunta que realmente importa, é isso que estamos correndo atrás, correndo atrás das circunstâncias perfeitas para um “encontro romântico ideal”. Se existe mesmo essa coisa do “par perfeito”, é possível que o par de alguém aí do mundo que esteja me lendo nesse momento, esteja aqui no meu país. Impossibilitado de ir ao encontro do seu, por motivos financeiros, ou porque “a mãe de todos”, deturpou a mente do coitado(a) em questão e ele finalmente se viu; casado com a pessoa errada.
 Esse é um erro, que ninguém em nenhuma condição econômica ou social está livre, “se apaixonar pela pessoa errada”, e sofrer as terríveis consequências na sua vida por isso. Eu mesma sou um bom exemplo disso, já deu tanta coisa errada que começo a pensar que estou procurando no continente errado. Porque a maior (e talvez a única) pergunta para qualquer mulher no Brasil é sempre essa; “quem é o pai dos meus filhos”?
 Vejo que pelo mundo também não é diferente, as pessoas estão perdidas. Se casam e tem filhos quando ainda são muito ingênuas, e quando finalmente olham para trás não tem mais como consertar a burrada, porque o tempo já passou, e ainda podem haver novas pessoas envolvidas. Os fundadores desse país viveram o primeiro triângulo amoroso que se tem conhecimento na nossa história, as claras e aos olhos de todos, era um escândalo (nós gostamos de escândalos). Se houvessem canais de fofoca naquele tempo, eles seriam notícia de capa.
 Das duas fundadoras o que posso dizer é que elas foram quase que cúmplices por um tempo. Mas a partir do momento que a esposa percebeu que não era apenas um casinho qualquer, aí sim, o sofrimento se tornou real. Tivemos um trio fundador que nos ensinou a arte de encontrar seu amado. Agora você, que já tentou de todas as formas, e com vários tipos de pessoas, e não deu match, é possível que seu amado não esteja assim tão perto. E mesmo que você passe horas na academia esculpindo seu corpo, pode ser que isso não dê uma garantia de que você vai encontrar alguém para amar e ser amado. Você vai ficar muito saudável fisicamente, mas a vida vai se tornando cada vez mais cinza e sem graça.
 O amor é o maior quebra-cabeça e mais complicado jogo de estratégia, que você possa um dia imaginar em resolvê-lo; são muitos personagens, com tantas características diferentes, e que estão sempre aprendendo com seus erros, que parece quase impossível que você resolva sozinho, e encontre a peça que encaixa na sua. Mas uma dica importante é, ouça, sem preconceitos, quando você descobre o que as pessoas realmente desejam é sempre uma surpresa agradável. Todo mundo é muito esquisito. Ninguém entra em padrão nenhum. E isso não é terrível de se saber, pelo contrário, é libertador. Você não perde mais seu tempo competindo com ninguém. Como o mago negro já nos contou; “aquilo que é seu, vem até você”.
 Não a corpo escultural que resolva o problema a longo prazo da falta de uma boa conversa, alguém que você olhe, e não sinta necessidade de se defender o tempo todo, alguém que te deixe mesmo confortável. Nem todos aqui podem ir até o seu amor que foi separado há muitos anos por “casamentos hierárquicos”. Mas o tempo cura tudo, e a cada ano o “transito de amor livre” se torna uma realidade. Aceitem que dói menos. A gente não consegue ir até eles, mas eles estão vindo até nós. Como um filósofo nacional já disse: “eu me fortaleço é na sua falha”. A gente só precisa esperar.

Continua...

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Descobri que Não Tenho Pé

Um vídeo atemporal

Capítulo 11. de “Água Parada”

O Escorpião Rei

 E mais uma vez, o amor tentando entrar. Devo contar do dia que fui picada por um escorpião dentro da minha cozinha. Era um dia comum, eu já sabia que não encontraria mais o Alain Delon porque ele tinha se mudado para outra cidade. Naqueles dias ao mesmo tempo que estava chateada com ele por ir, estava comigo mesma porque costumo estragar os relacionamentos sozinha. Tenho um comportamento muito autodestrutivo, é algo que faz parte de mim desde muito tempo. É um dos motivos pelos quais busquei terapia durante meu curso de psicologia.
 Sobre o escorpião que me picou devo contar que foi uma experiência incrível. Fui até a cozinha beber água, quando estava próxima a pia senti uma picada no pé direito. Demorei ainda um pouco para olhar para baixo. Foi quando vi um pequeno escorpião negro balançando suas patas dianteiras, como se estivesse dançando lambada com suas castanholas. Achei ele muito fofo quando vi, mas me passou pela cabeça que estava “puto da vida”, pela forma agressiva que se movia.
 Não sentia dor porque a picada em si do escorpião não dói nada, é quase imperceptível. Até senti pena dele, porque eu poderia ter pisado em cima dele e matado, foi esse o motivo dele ter me picado. Acontece que obviamente não fiquei só ali parada olhando para ele. Pensei rápido: “se ele for um dos fatais eu estou ferrada”. Minha mãe que tinha acabado de sair para trabalhar (ela trabalha muito), voltou com meus gritos, sorte minha que ela ainda estava próxima. Porque eu naquele tempo tinha carteira de motorista, mas não tinha muita prática, nem carro próprio.
 Portanto, foi ela quem me levou ao hospital. Fomos para um hospital particular aqui da cidade, meu pai ainda tinha convênio médico. No hospital foi onde tive uma revelação, porque ainda estava me sentindo muito mau por causa da falta do Alain Delon, mas lá na sala de emergências tive a certeza de que tinha tomado a decisão correta em não prosseguir com esse relacionamento com alguém tão mais velho do que eu.
 Enquanto eu sofria as dores da picada de escorpião; é uma dor muito interessante que para mim se assemelha muito as cólicas menstruais, como fui picada no meu fálico dedão direito, a dor ia descendo e subindo pelo meu corpo, como se fossem pequenos e grandes (iam se alternado) choques elétricos pelo meu corpo. Era uma dor realmente cruel, eu dentro do carro com minha mãe, gritava para ela ir mais rápido, porque além da dor, já sentia que meu pé ia ficando dormente. Comecei a achar que ia perder meu pé, fiquei desesperada, e eu que me considero uma pessoa fria - pouca coisa me desespera - naquele dia fiquei apavorada.
 Só pensava; como é possível um bichinho tão pequeno causar tanta dor? Pois é, o escorpião é todo trabalhado no ódio. Tive que levá-lo comigo para o hospital, geralmente essa é a melhor coisa que se faz quando você é picado por um bicho peçonhento, para identificar que tipo de veneno entrou no seu corpo é bom levá-lo. Lá na sala havia várias macas, e uma cortina que separava os pacientes. Fui colocada em um leito, e um cateter com soro foi colocado em mim. Se tem uma coisa que eu odeio, é esse cateter, é muito torturante ter isso enfiado no seu braço. Mas se eu quisesse que aquela dor parasse, precisava tomar todo o soro pela veia.
 Naquele momento na maca, eu já observava pequenas veias vermelhas no meu dedão aparecendo. E meu pé já estava totalmente dormente e impossibilitado de se mover. Perguntei para a doutora que me atendeu se ia perder o pé. Ela disse que não, eu só precisava ficar ali e “tomar” todo o soro, que aos poucos a sensibilidade do meu pé voltaria. Fiquei ali agonizando, quando ouvi e vi alguém vomitando na maca do meu lado. Era um homem pela voz, ele não parava de gemer e em seguida vomitar.
 Não via seu rosto por causa da cortina, mas via a moça asiática que o acompanhava, seu semblante mostrava que estava de “saco cheio”. Foi quando uma das funcionárias da limpeza puxou a cortina para limpar o vômito do meu colega acamado. E eu tive uma revelação quase que divina que acalmou meu coração. Foi como ver como seria meu futuro, se tomasse a decisão errada. Alain Delon, certa vez, me fez a seguinte proposta: “porque você não tranca a faculdade, e viaja comigo aí pelo país?”. Não posso mentir, fiquei tentada sim em ir nessa aventura que teria com ele ao melhor estilo “Lolita”, mesmo já sendo de maior quando ele me propôs isso. Mas é claro que preferi não ceder a esse meu desejo inconsequente, aproveitei a companhia dele enquanto durou.
 No hospital, quando olhei para o lado quem eu vi? Isso mesmo, Alain Delon, uma versão muito mais velha do meu amado crush judeu. E devo dizer que ele não estava nada bem, me pareceu que tinha algum tipo de intoxicação alimentar, gemia e chorava. Sabe como são os homens com qualquer desconforto físico, parece que estão morrendo. Não era quase nada, e ele fazia um show. Sei disso, porque a dor que eu estava sentindo era lancinante, e eu aguentava com dignidade. Mas ele não, era terrível, aquilo começou a me incomodar muito mais do que o veneno do escorpião em mim.
 Até a moça terminar a limpeza não podia fechar a cortina, então tive que ver aquela dinâmica horrível de casal que eles tinham, e imaginar que se eu tivesse escolhido jogar tudo para o alto por causa de uma paixãozinha teria aquele futuro. Estaria totalmente indiferente ao sofrimento da minha “metade da laranja”, enquanto ele padece a minha frente. Como a moça asiática que estava com ele agia. Foi uma lição tão bem colocada, e num momento tão certo do que acontecia comigo, que eu não acho que foi só obra do acaso. Foi um tipo de mensagem para mim. Eu estava apaixonada, e teria me destruído de vez, se tivesse dito sim a “proposta indecente”.

Continua...


quinta-feira, 6 de junho de 2019

Capítulo 10. de “Água Parada”

Minhas Teorias de que "Para que Serve o Brasil"?

Luvinha não sabe se vai, não sabe se fica.


 Escrevo aqui porque Luvinha, a gata fantasma em determinadas horas do dia, tenta me alertar que o amor vindo lá de cima, está tentando entrar. Preciso fazer algo para bloqueá-lo. Pego minha cruz banhada em água benta, e abro minha página no blog. Hoje quero refletir sobre uma questão que, com certeza, ronda a mente dos cidadãos desse mundo, acredito que é esse o motivo de toda a sua curiosidade (e as vezes da nossa também), e intervenções na nossa rotina. Para que serve o Brasil, e seus amados filhos dessa curiosa pátria?
 Minha conclusão é; “inspiração artística para escritores ficcionais”, mas vamos falar mais sobre isso. Aqui coisas estranhas realmente acontecem. Posso citar minha fantasminha camarada. Dona Luvinha morreu em circunstâncias aparentemente normais, mas houve algo que me chamou a atenção. Ela foi atacada pelos cachorros aqui da rua, que por motivos de negligência dos vizinhos passam o dia rondando a vizinhança.
 Tenho más lembranças com cachorros de vizinhos, quando era criança, voltando da escola fui atacada por um cachorro pequeno, mas ainda sim bastante forte. Era vira-lata mas lembrava um Beagle, bastante coisa foi esquecida daquele dia, mas me lembro que ele agarrou na minha perna e eu a balançava e ainda sim ele não soltava. Não me lembro se alguém me salvou ou se eu consegui tirar ele da minha perna. Até hoje tenho a marca da mordida na perna direita, como era bem menor e a mordida foi próxima ao joelho naquele tempo… com meu crescimento hoje a cicatriz está na minha coxa quase próxima a virilha.
 Pensando sobre o ataque, e a morte da Luvinha, sei que minha idolatrada mamãe “portal aberto de almas sombrias” está friamente relacionada. Acredito que a dona daquele cachorrinho "serial killer" não gostava da minha pessoa. Vocês sabiam que os cães têm uma tendência natural a servirem aqueles que eles consideram os líderes da matilha? Mesmo os vira-latas. Da dona do cachorrinho eu me lembro muito bem, era uma senhora já de idade, com seus cabelos brancos. Tinha um hábito de comer formigas saúvas (gênero “Atta”...sugestiva expressão como “deixa pra lá”) com farinha, aqui essa formiga é popularmente chamada de Tanajura (expressão aqui popular e usada para “moça de nádegas grandes”). Talvez como um hábito adquirido dos indígenas, a senhora em questão era famosa no bairro, por esse seu gosto culinário peculiar.
 Nada contra a culinária indígena, gosto de tapioca (algo como uma panqueca de mandioca e recheada com o que você quiser), mas comer formiga pra mim já é um pouco de mais. Pensando sobre aquela bruxa, talvez o cachorrinho sentiu que ela não gostava muito de mim. E fez exatamente o que ela queria, tentou arrancar um pedaço da minha perna. Não conseguiu. Todos aqui gostam de animais, domésticos ou selvagens. Na minha cidadezinha, que agora está fria pela chegada do inverno, temos programas de castração gratuitos. Os animais são muito sensíveis e sentem quais são os desejos reais de seus donos.
 A meu ver, uma das grandes dificuldades de se viver nesse continente pangencial, é lidar com a inveja que alguns tem de seus atributos genéticos. Todos aqui querem ter a aparência mais negra possível, essa é minha teoria, porque pessoas negras possuem mais melanina na pele, o que possibilita que se aparente juventude por muito mais tempo. Observe mulheres negras que já passaram dos quarenta anos, aparentam nem ter chegado direito aos trinta. Aqui todos querem ser belos e saudáveis, pelo maior tempo possível. 
 Não estou dizendo que não existe racismo aqui, existe, mas várias das manifestações de reprovação se devem a inveja. O Brasil tem todas as pessoas do mundo num país só. Imagine como é complicado aqui na “Torre de Babel”, sair de casa sem arranjar alguma discussão fútil. Todos aqui tem alguma opinião sobre tudo, porque estamos de olho no mundo, para saber o que fazer com a gente mesmo. Todas as pessoas daqui tem uma grande habilidade de comunicação, até porque você não precisa de muita coisa, é só sair de casa para aprender a advogar.
 Numa fila de banco, você arranja alguém para conversar sobre qualquer coisa. Como os italianos, as pessoas aqui também falam com as mãos. São solidárias a passar informações se você não estiver com o mapa do google conectado a alguma rede. Não tem como se perder por muito tempo. Exceto se você estiver na Amazônia, e for tonto de não obedecer as ordens dos guias. Lá se você se perder provavelmente vai morrer. Mas voltando ao espectro da minha gata, assim que ela foi atacada, a levei ao veterinário para ver se havia salvação. Ela era muito pequena, e provavelmente foi isso que impossibilitou seu resgate, ela ficou um tempo em observação, porque qualquer tentativa mais invasiva a mataria.
 Ficou sendo aquecida até o momento da sua morte, ela teve hemorragia interna. No raio-x deu para ver o sangramento. Quando o veterinário me mostrou o exame, fiquei espantada com o que vi. A área do sangramento tinha o desenho de um coração, não o órgão propriamente dito, mas esse que as crianças desenham. Tenho a chapa pra quem achar que estou mentindo. Com as palavras do doutor: “ela era muito doce, foi muito traumático, e não resistiu”. Ele se mantinha virado para mim, acho que não queria que eu visse que estava emocionado.
 O que eu tenho a dizer sobre os brasileiros é: “Tenha fé”. 

Continua...

quarta-feira, 5 de junho de 2019

Capítulo 9. de “Água Parada”

Novas Teorias de Reencarnação de Gatinhos

Thanos pensando em usar sua manoplinha do infinito.


 Alguém sempre vai ter que lavar a louça, limpar o chão, pôr a roupa suja na máquina, enfim, essas coisas. Robôs domésticos, no futuro podem se voltar contra nós. Quanto mais humanos eles parecerem, menos vão querem limpar a própria sujeira, ou a sujeira dos outros. O ser humano pensa que também não é bicho. Meu gato Thanos, como seu nome  já diz, é a personificação da morte. Acredito que ele foi o primeiro a pressentir a segunda morte da minha gata fantasma. Como já disse, fiz uma nova configuração para que ela voltasse a vida. Funcionou, mas agora seu corpo já não era mais o mesmo. Era mais frágil e falho. Tinha as patas dianteiras brancas, como se usasse luvas, as perninhas traseiras meio tortas, e pelagem mais cheia. Era linda, mas sua deficiência a colocava em situação de risco. Lembrava sua mãe  Luna com seu rosto de caveirinha, mas só na aparência.
 Era alegre, astuta, e aprendia muito rápido. Aos poucos pareceu ir se lembrando de mim e da sua vida anterior, e ao mesmo tempo ficando com raiva de mim, porque pareceu que eu deixei que ela morresse. Com o tempo, assim como eu, percebeu que eu não era a culpada do seu desencarne. A ideia é fazer parecer que ninguém é mesmo culpado de nada. A função da fiscal da vida alheia é sempre ganhar mais tempo, como um viciado mesmo. Alguém que pensa que a sua hora de morte nunca vai chegar.
 Ela ficou encantada com os outros gatos da casa, gato solitário não dura muito tempo, gateiros sabem. Ficou especialmente impressionada com meu Maine Coon, que eu adotei de uma moça que não tinha mais condições de mantê-lo. Hagrid (porque ele é gigante, entendeu?), é muito calmo, e as vezes eu tenho a sensação de que ele entende o que eu digo. É enorme mas é um tonto, se deixar os outros gatos intimidam ele. Chegou muito gordo, como aqui ele pode circular no jardim, foi emagrecendo e ficando mais ágil. Mantenho contato com a antiga dona, e descobri que ele já foi atropelado, teve toda a mandíbula reconstruída, e se você abrir a boca dele vai ver um pino que parece um parafuso.
 Acredito que é por isso que ele é tão arrogante, tudo ele te morde. Mas é muito fofo, e não tem como não gostar. Ele é muito fotogênico. Luvinha (Psiquê), coloquei esse nome nela, achava graça em subir na mesa de centro da sala, e bater na cabeça dele. Tenho fotos para provar que ela ficou impressionada com o tamanho dele. Quando morreu pela segunda vez, sim ela morreu de novo, não por negligência minha, mas porque eu percebi que existe uma assassina a solta. Alguém sempre em busca de novas aquisições para o seu “guarda-roupa colorido”. 
 Mantive três dias de luto por essa nova perda em minha vida de tragédias. E como eu aqui já falei, ela voltou em forma fantasmagórica. Quando ela se foi do mundo terreno, chamei meu pai, e fiz com que ele me ajudasse a enterrá-la. Sua cova fica na frente da minha casa, ao lado do local que eu estaciono meu fusca bananinha.
 Seu fantasma vinha toda vez que eu recolhia os gatos pela tarde, Hagrid que era o mais atormentado por ela em vida, passou a se recusar a entrar na casa. Como se dissesse, “se ela entrar eu não entro”. Ele sempre foi nojento com comida, não come nenhum tipo de patê, mas nem oferecendo a ração favorita dele, ele queria entrar.
 Tive que fazer algo que não queria, pedir que ela não entrasse. Sim, eu queria que minha gata morta entrasse, com o tempo também cheguei a conclusão de que isso é antinatural. Ficava repetindo em pensamento: “pode entrar todo mundo, menos a Luvinha que está morta”. Todos entraram, menos a Luna que ficou andando em volta da casa, como se tentasse despistar a gata morta, ela é muito boa em monitorar o perímetro.
 Perceba que ao mesmo tempo que eu achava tudo isso que estava acontecendo na minha frente interessante e engraçado, porque afinal de contas era só uma gatinha, também era algo que me dava medo. Comecei a me arrepender de pedir para ela voltar. Minha casa tem grandes janelas e portas de vidro, meus gatos mesmo dentro de casa, ficavam olhando para fora como se ela estivesse do outro lado pedindo para entrar.
 Eles olhavam para fora e para mim, com aqueles grandes olhos de pupilas dilatadas. E que assim parecem mais humanas quando o dia escurece. Passaram a pegar objetos dentro da casa, os usando para enviar mensagens para mim. As mensagens eram feitas só para mim, e eu entendia tão bem, que comecei a ficar com medo. Tentei criar teorias sobre o que, ou quem seria esse bichinho que foi enviado a mim. O que queria? Porque eu me identificava tanto com ela? E sentia tanto a sua falta? Como me conhecia tão bem, a ponto de conseguir se comunicar comigo por meio de objetos da minha casa?
 Quando constatei seu novo óbito, tentei me consolar; "bom, pelo menos agora ela está livre da ameaça fantasma da garota troféu de ouro". Ainda tenho esperança de que um dia ela volte. Era interessante como mesmo em um corpo diferente ela ainda mantinha os mesmos comportamentos. Meus vizinhos mineiros criam galinhas na rua, então como antes - quando ela tinha um corpo mais atlético (ainda era a gata rajada Psiquê) - passava o dia tentando comer alguma galinha. Luvinha também passava o dia observando as galinhas, e imaginando formas de comê-las. Foi num desses momentos que a "senhorita ninguém agiu". Espero que um dia receba o que merece.
 Vocês não tem noção de como é ruim perder um gato. Cada gato é único, e insubstituível.


Continua...

Débil Metal


Mamonas tentando explicar o que não dá pra explicar. Só nascendo aqui para sentir, a magia...

terça-feira, 4 de junho de 2019

Capítulo 8. de “Água Parada”

Raízes da Corrupção Nossa de Cada Dia

 Tudo o que ele fez foi para o seu próprio bem. Quem é ele? Aquele que me fez criar interesse pela yoga, e perceber que essa é uma prática com raízes muito femininas, apesar de mais uma vez, ser dominada por homens. Todos os países que estão a nossa volta, são futuros predadores desse maravilhoso país de criaturas mágicas, e terras férteis que produzem alimentos de propriedades curativas, que proporcionam beleza e saúde eternas. Verdadeiras pedras filosofais. Cuidado Brás Cubas, não confie nos heróis da Humanidade. Preciso falar que conheci um anjo…
 Um anjo, que só queria o meu bem, e o bem de toda a galerinha do “high society”. Sei que muitos membros famosos das realezas mundiais são adeptos da yoga. Ela faz bem a saúde, e ainda te mantém bonito e jovem. Pois bem, meu anjo era professor de yoga. Conhecê-lo e me dar conta desta profissão tão interessante, me fez imediatamente ter uma opinião positiva sobre ele. Que com o tempo foi se desmoronando aos pouquinhos, como as obras anuais que certos políticos patrocinam em busca de arrecadação de votos passageira.
 Ele era esbelto, pele clara, com algumas sardas aparentes no rosto e ombros, cabelo ruivo e cacheado, mãos longas, e pés também. Me lembrava um serval (Leptailurus serval), um felino africano e carnívoro, onde infelizmente, tem gente muito carente (tenho gatos e sou carente) que os cria como se fossem gatos domésticos. Até dão ração de gato, para esse bichinho que precisa de carne crua. O comparo ao Gael, esse é o nome dele, porque ele se mostrou um bichinho selvagem criado em cativeiro. 
 Conheci a figura “da paz”, na minha classe de psicologia, partilhamos cinco anos de aulas sobre Freud. Mas a meu ver, Gael não aprendeu nada com esse senhor tão sábio. Gael é do signo de libra, e eu, como boa escorpiana, sempre atraio essas figuras míticas. Os librianos são seres muito elegantes, gostam de sempre manter boa aparência, são muito sociáveis… A minha primeira vista achei que ele não seria nenhum problema, até me afeiçoei a ele, era gentil, e engraçado… 
 Mas com a infalível ação do tempo, entendi o que significa, a expressão astrológica; “libra é o inferno astral de escorpião”. Comecei a me sentir em um filme de terror, quando ele estava na sala de aula, fazia de tudo para chamar a atenção de todos os presentes com algum tipo de piada ruim, todos riam, porque ele era bonito, e todas as meninas da sala queriam dar uns amassos nele. E eu também.
 Com as fases de nosso relacionamento se deteriorando, comecei a sentir que Gael me pressionava contra uma parede branca, e cheia de adornos florais ao som de alguma música da Lana Del Rey (sempre parnasiana), até que eu não pudesse mais respirar. Olhava para ele, e via o próprio “Dorian Gray”; lindo, mas apodrecido por dentro. Se eu soubesse onde ele guardava seu precioso autorretrato, teria tratado logo de tacar fogo. Era assustador para mim perceber que ele convencia a todos de que era um “cidadão de bem”, mas nas entrelinhas quando se relacionava comigo, só usava sua linguagem corporal para tentar me inibir… me calar mesmo. 
 Vou usar um exemplo de um dia muito estranho, de comportamentos mais esquisitos ainda. Não me considero uma garota com uma beleza irresistível, mas também não sou de se jogar fora. E a alguns anos atrás, minha pele era mais bonita, e meu corpo mais rijo, tinha mais colágeno né gente. Assim sendo, cansei das palhaçadas do anjo Gael, e resolvi que iria seduzi-lo. Sou vadia? Em minha defesa, conversava com ele todo dia, tinha real interesse sobre sua turma de yoga, por vezes durante a conversa ele se recusava a partilhar seu conhecimento comigo. Ali eu já ficava com um pé atrás com ele, mas o que mais me incomodava não era isso. Era o fato de que eu demonstrava de todas as formas possíveis; “vamos parar de papinho escroto e partir para a pegação?”.
 E o que o anjo de candura fazia? Isso mesmo. Nada. Fica encucada, se ele não quer ser meu amigo, porque sempre falava meias palavras comigo, não partilhava nada comigo de seu conhecimento, e só tentava o tempo todo na sala de aula se mostrar superior a mim (eu sempre fui nerd, e me destacava na minha classe, só tirava notas altas). E ainda por cima, não correspondia a meus encantos maléficos… se esse cara não quer me comer, o que ele quer, me matar? Me desculpem as mães de seus anjos por aí, mas não acredito em ingenuidade masculina. Crianças são ingênuas, homens adultos não. 
 Ok, pode ser que eu não era o tipo dele. Mas porque sempre que eu estava presente ele tentava chamar minha atenção, ou quando eu tentava sair da sala, porque ele estava presente e sua presença me fazia sentir que alguém queria me aniquilar, ele dizia algo do tipo: “Hana (eu parada na porta da sala prestes a sair, me viro)”. Eu: “Sim (achando que ele ia me levar para alguma escada em espiral da universidade para finalmente alguma troca de salivas”). Gael: “Acende a luz pra mim”. E eu acendi a luz e saí decepcionada. Mas ao mesmo tempo achando graça, porque na expressão dele ele percebeu as minhas intenções, e abaixou a cabeça rindo. Ele também sabia que era bonito, mas pisou na bola. E eu vou contar como.
 Gael, era alguns anos mais velho do eu e agia como um Bob Esponja do mau, absorvendo toda a água em volta. Tudo o que ele absorvia sobre mim, usava contra mim. Eu não era uma possível amante, mas sim uma concorrente. Como todos na sala o veneravam, e ele sempre se fazia de vítima, aos poucos eu fui virando a persona non grata, dos meus queridos colegas. Aos poucos fui entrando nessa realidade paralela que Gael criou para mim, pois librianos são muito sociáveis, bons futuros políticos, e manipuladores por natureza. 
 Como ele tinha essa vibe meio hippie, totalmente fajuta, porque mora no centro da cidade e não passa de um playboy. Na roda de amigos dele, eu era careta. Eu tinha uma bad vibe? O que seria isso gente? Eu que nunca fiz mau a nenhuma mosca. Com a duração de sua falsa diplomacia, ele acabou tomando doses do seu próprio veneno, mas isso pode ser história para outro dia, porque envolve uma senhorita geminiana, que só de pensar, tenho medo de vomitar em cima do meu teclado.
 Quero contar do dia que fui a aula de short bege, e meias três quartos cinzas (sabe aquelas que vão até o joelho?). Me sentei na roda de conversa, muitos professoras davam seguimento a sua aula assim. Em círculo era mais fácil de ouvir e falar. Também gosto mais assim, vejo todos e todos me veem. Gael não tirava os olhos de mim durante a aula, e as vezes suas pupilas dilatavam (o que pode ser sinal de excitação sexual, agressividade, ou os dois), seus olhos eram negros, e pareciam duas grandes jabuticabas prestes a pular da órbita. 
 Quando a professora fazia algum questionamento a ele, eu propositalmente, trocava as pernas de lado na minha cadeira. E via os efeitos de ação tão complexa e digna de uma verdadeira yogue, ele se confundia na sua fala sempre tão floreada, e meticulosamente pensada para agradar a seu público. Ficava sem rumo... e eu como? Rindo por dentro. Parece que achamos uma falha na matriz do nosso amado, “Davi de Michelangelo”. Toda a sequência de eventos na infortunada aula, foi assim. Ele tentava colocar as ideias no lugar, e eu trocava de pernas, com as demoníacas meias três quartos. Nunca me senti tão satisfeita. Quem está calado agora?
 No fim da aula, fui até ele, que estava parado na porta da sala. E o que nosso amado anjo fez? Me agarrou nos braços e me deu um beijo apaixonado, querido leitor? Não, fez o que sempre fazia, se afastou de mim, olhando acusadoramente para minhas pernas amaldiçoadas. Penso que talvez Gael fosse gay, e não quisesse admitir. Desejo um amor sincero na vida dele. Hoje eu mandei currículos, almocei bem, e lavei meu cabelo. "E bem, e o resto?" O resto é pizza. E aqui quem fala é a “Pícara Sonhadora”.

Continua...

segunda-feira, 3 de junho de 2019

Baden Powell, nascido no bairro "Varre-Sai"




"...amor só é bom se doer..."


Capítulo 7. de "Água Parada"

O Gato de Schrödinger

Ele está vivo, ou está morto?


 Eu vi, eu vi uma superposição, e continuo vendo. Todo dia minha gata fantasma se manifesta para mim, e para os membros da minha família. Como eu sei disso? Vejo os efeitos da sua presença, no comportamento dos meus outros gatos. Eles se comportam no meu jardim e dentro da minha casa, como se ela ainda estivesse aqui, esperando o momento e um meio de voltar a estar entre os vivos.
 Quando eu era criança tinha muito medo de gato, tive uma vizinha que gostava de dar banho nos seus, ela tinha muitos. A casa da família dela era enorme, e tinha muitos quartos, eu a invejava porque sempre tive que dividir meu quarto com minha irmã, e ela não. O nome da vizinha era Susannah, era bonita, tinha uma aparência de modelo da Victoria Secrets. Magra, alta, cabelos chocolate reluzentes, e pele amendoada. Os gatos dela não gostavam desses cuidados, não sei porque…Era uma gritaria, bufos e grunhidos, sem precedentes. Não se sabia se eles estavam acasalando, ou sendo engolidos por uma cobra.
 Então foi assim que meio que associei gatos a algo perigoso, ainda me lembro dos gritos. Susannah era muito maternal, além de cuidar de seus inúmeros gatos, sempre convidava a mim e minha irmã para almoçar ou tomar café da tarde na sua casa. Gostava de ir lá e comer a batata frita em rodela que ela fazia para a gente. Não é estranho que a comida de ninguém é igual? Até hoje nunca comi nada parecido com o que a Susannah fazia para a gente, tinha um tempero só dela.
 Pois bem, terráqueos. Antes da invenção da internet já passamos por um tempo onde estávamos muito mais conectados. Realmente próximos, ninguém precisava pegar um balão, um avião (com as honras do inventor Alberto Santos Dumont), ou um navio para se encontrar com coleguinhas em outro continente. O negócio era simplesmente ir a pé. A terra habitada ainda era – não era chamada nem conhecida –, porque ninguém falava sobre isso (acho eu), mas era uma Pangeia. Ou seja, todos os continentes eram grudadinhos num só. Todo mundo bem pertinho e a fim de circular pelo parquinho. O que foi, o que muitos habitantes daquele continente enorme e cheio de feras místicas fizeram. Sim eu estou falando do que hoje conhecemos como a África. Nosso fóssil Luzia que passou por maus bocados sabe bem disso.
 Mas voltando a Susannah e nosso grande “Mago Negro”, não tem como derrubar a Torre Negra, ela é infalível, e está no inconsciente de todos aqui que leem as obras dele. Mas a gente gosta de ver daqui, vocês tentando conseguir. Preciso falar sobre minha gata fantasma; da primeira vez que ela morreu, senti necessidade de tomar precauções sobre sua prematura morte. Quando ela ainda era Psiquê, a gata rajada, que simplesmente sumiu; apenas soube da sua morte de forma paranormal, porque não cheguei a ver nenhum cadáver. Mas segui tendo fé de que um dia ela ia voltar. Como já disse, acordava pensando nela e ia dormir pensando nela também. Como em uma paixão secreta.
 Assim sendo resolvi tomar providências. Entrei numa rede social em busca de novos felinos para minha proteção espiritual. Achei um casal que estava doando dois filhotes. Um rajado e com patas e peito branco, e outro preto e branco. Esse segundo me chamou muito a atenção, porque ele parece ter um bigodinho, inicialmente ia ficar só com ele, mas o casal me convenceu a levar os dois, porque eles eram muito ligados um ao outro (e o casal parecia desesperado para se livrar deles).
 Enquanto escrevo isso, fui brutalmente interrompida por minha amada mamãe Barbarella, mais uma vez obcecada por limpeza. Limpeza é bom, mas também tem hora, se já passou das seis da tarde, e ainda tem alguém incomodada com qualquer coisa que seja relacionada a “organização”, pode ter certeza que a senhorita classe e compostura, está tentando fugir de algum tipo de união carnal. Se não gosta, porque se casou? Fiquei rezando baixinho: “Por favor minha gata protetora, me ajude, e faça com que essa obsessão por mim acabe de uma vez por todas, que essa obsessão por mim deixe de existir, que essa obsessão por mim acabe...”
 Voltando aos meus gatos, trouxe os dois para casa e os chamei de Hypnos – para o rajado que dorme em qualquer lugar, até dentro de vasos de planta – e Thanos – porque tem mania de abrir ralos de pia e de banheiro, e beber a água podre de lá de dentro. Os irmãos; responsáveis por guardar meu sono, depois de entrar em contato de forma tão violenta com a morte. Depois deles, apareceu uma outra senhorita, do nada, aqui na esquina da minha casa. Acho que foi algum tipo de conjunção astral, que fez os três se juntarem na empreitada de conjurar de novo minha gata negligenciada, em um ambiente que pudesse torná-la menos a mercê de novas mortes. Como uma família gatal, todos os gatos são mestiços. Luna, está eu devo dizer que é a minha favorita, ela é linda.
 Luna ainda era uma adolescente quando apareceu aqui, tem pelos negros, peito branco, e a ponta de suas patas é branca, até parece que ela usa pequenas luvas que só cobrem a ponta dos dedos. Olhando para ela, é impossível não associá-la com algum tipo de caveira.  
 Observe minha teoria, acredito que os gatos estão meio vivos, e meio mortos. Eles são os únicos que conseguem estar em qualquer uma das duas dimensões, e ainda assim enxergar todos os envolvidos na festa da estranheza. Estando ou não com a energia que flui da vida, que acredito que vem fundamentalmente da água (estranhamente felinos costumam beber pouquíssima água, o que pode facilitar que eles tenham infecções urinárias, nesse caso leve eles imediatamente ao veterinário), ainda sim eles podem permanecer próximos ao seu dono, se ele realmente desejar com bastante força.
 No meu caso acendendo três velas, por três dias depois de sua morte. Independente de qualquer experimento científico, dentro ou fora de qualquer caixa, os gatos já estão vivos e mortos. Não se sabe se sua alma está ou não dentro do corpo dele, está um pouco dentro e um pouco fora, como que sobrepostas. Talvez eles ronronem tanto para colocar tudo lá dentro em movimento, e manter a alma presa no seu frágil corpinho. Além de gostar do aconchego de caixas que fazem um holding muito humilde (comentado pelo senhor Winnicott), para essa integração dos bichanos. Como um celular, no modo silencioso.
 Talvez o que mantenha a alma dos seres humanos presos dentro do seu corpo, é a grande quantidade de água acumulada, nesse corpo que aparenta ser o mais evoluído do reino animal. O que é diferente em qualquer gatinho observável, e não precisa matar nenhum para chegar a essa conclusão. Explica essa aí Albert Einstein; eu tenho um fantasma de gato, que vai atrás de mim para todo lugar que eu vou. Gatinhos estão em todas as realidades, observáveis pelo olho humano ou não. A natureza é perfeita em toda a sua estranheza, e para mim, e meus gatinhos, todos esses cientistas só estão tentando provar algo que todas as pessoas desse lindo planetinha já sabem inconscientemente. O que é? Eu decido a realidade do que está acontecendo quando estou sendo observada. E tudo parece normal...

Continua...

domingo, 2 de junho de 2019

Capítulo 6. de “Água Parada”

Precisamos Falar sobre Sofia, a Filósofa Autista

Vocês não tem sentimentos?

 A energia aqui caiu. Parece que minha gata fantasma anda perambulando em volta de mim. É certo que está chovendo, e geralmente isso pode causar algumas quedas de energia. Mas acontece que foi num momento muito específico, quando minha “amada mãe de todos”, resolveu tirar um momento do seu glamoroso dia para me criticar. É meus amigos, essa querida não dá trégua nem aos finais de semana. Porque não tira umas férias e nos deixa em paz, não é mesmo? Mas assim que ela abriu a boca, a luz do ambiente se apagou.
 Ontem vocês ficaram sabendo que se a maconha for legalizada no Brasil, minha vida vai continuar seguindo o mesmo fluxo, nem de casa eu vou sair (a não ser que seja para ir a Amsterdam, sou metida). Tem coisas que parecem que não foram feitas mesmo para a gente aqui da terra das bananas. Até porque para que isso aconteça realmente por aqui, tem que haver um controle médico sério sobre quem pode ou não pode fazer uso. Sim, dependendo da pessoa, se ela tiver alguma tendência hereditária a esquizofrenia ela pode sim fazer a viagem, e não voltar nunca mais.
 Eu fui na fé para essa experiência, porque conheço meu histórico familiar, e sabendo que os índios usam substâncias muito mais perigosas em seus rituais religiosos, que aprendi em Hogwarts, fiquei sim curiosa. O que posso fazer? A curiosidade até o momento não matou o gato. Sigo estável.
 Hoje, preciso falar da menina Sofia. Uma garotinha com lindos e cacheados cabelos cor de mel, pele cor de canela, olhos amendoados e autista. A conheci fazendo os estágios remunerados que fiz durante minha faculdade. Preciso deixar claro aqui que ainda não finalizei, se quisesse poderia tirar meu diploma de Bacharel, mas quero um dia ter minha própria clínica psicanalítica, portanto ainda me faltam alguns estágios obrigatórios. E para isso, sei que não posso parar de estudar. Vocês sabiam que bons psicólogos nunca param de estudar? Mesmo quando queremos não dá. Para onde você olha ou vai, existem pessoas e seus comportamentos curiosos.
 Devo dizer que um dos motivos pelos quais agora não prossigo meus estudos, é a situação atual do país. A direita extrema desse país, achou que seria uma boa ideia eleger o Voldemort para Presidente da República. Nada contra ele, mas acho que já está mais do que obvio, que ele está para o país, assim como eu estou para a maconha. Não está dando match. Então sigo esperando esses tempos sombrios passarem.
 Sofia é uma aluna de uma escolinha de primário, muito célebre e de renome daqui da minha cidade. Quando nos conhecemos a reação dela foi de total chateação. Não gostou de mim, e demonstrou isso de uma forma muito simples. Me viu, me olhou por dois segundos, e chorou. Tenho uma vizinha autista um pouco mais velha que a Sofia, e que aparenta ter um grau mais elevado do que ela de autismo, já é uma adolescente, e é muito mais infantilizada que a Sofia. Todo sia vejo ela voltando da escola pela minha varanda. Ela, vou chamar de Lavander; passei apenas uma semana a acompanhando durante sua rotina escolar (existe um Centro de acompanhamento de pessoas com deficiência já estabelecido em Atibaia), e devo dizer que foi barra pesada.
 Lavander é muito inteligente, mas assim como eu tem problemas com pessoas que querem ditar o que ela deve ou não fazer. Tivemos muitos embates. Mas voltando a Sofia, ao longo do dia ela foi se habituando a mim. Sofia recebe acompanhamento psicológico, psicopedagógico, e qualquer outra coisa que ela queira aprender dentro do Centro, e fora também. O programa de estágio que eu estava ligada era um dos braços de todo esse processo.
 Viver com Sofia, para mim no início pareceu que seria um mar de rosas, porque já estava a dois anos trabalhando com acompanhamento de crianças em sala, e já tinha passado por muitas crianças baderneiras. No bom e no mau sentido. Sofia era linda e delicada. Uma bonequinha real, muito esperta, e aparentava só ter problemas mais sérios com a sua comunicação verbal. O que só prova que quanto mais cedo é o tratamento, melhor é a vida social do autista. São realmente aptos a estar no mercado de trabalho. Sofia era tão meticulosa nas suas tarefas, que isso causava certa inveja entre seus coleguinhas de sala. Tive muitos dias para constatar tal fatalidade. E a isso, se junta ainda ao fato de que ela tinha uma aparência muito fotogênica.
 Pude constatar evidências dessa inveja prejudicial a menina, observando seu desempenho no parquinho da escola. Como a maioria dos autistas Sofia tinha suas manias, e umas delas era evidente também no parquinho. Ela ficava apenas em um brinquedo do parque, passava quase trinta minutos subindo e descendo no mesmo castelo de plástico; subia as escadas e descia no escorregador. Fiquei me perguntando se isso se devia mesmo ao fato de simplesmente ela ser autista. Sabe aquele ditado, “quem nasceu primeiro o ovo ou a galinha?”. Batia o sinal e ela corria para aquele brinquedo, e de lá era difícil tirá-la no final do intervalo.
 Alguns meninos iam brincar com ela, mas as outras meninas corriam e tratavam de tirar de perto dela qualquer amiguinho que se aproximasse. Achei aquilo curioso. E anotei no meu caderninho. Passado os dias com a criança percebi que ela amava música, principalmente as musiquinhas que a professora cantava em sala de aula. Repetia facilmente o que ouvia, como um gago que consegue falar magicamente, quando usa a melodia de uma música. Ouvi-la, era para os fortes; percebi isso com o seu desenvolvimento ao passar do tempo. Ela cantava cada dia mais alto, e sua fala não era compatível com sua idade, era realmente a voz de um bebê desengonçado.
 Isso deixava as professoras desestabilizadas (e eu também) e ela percebia isso, então as vezes se calava no convívio escolar. Pois bem, não a progresso sem algum sofrimento não é mesmo? Me muni das músicas infantis que se cantam aqui para as crianças, e passei a usá-las como arma de combate. No intervalo acompanhava Sofia no brinquedo, e cantando, (não sou nenhuma Lady Gaga) sugeria a ela que seria divertido experimentar os outros brinquedos do parque. O parque da escola centenária, é enorme, tem vista para as ruas da cidade, é cercado, e muito seguro. Logo a frente dele tem o cemitério “São João Batista”, que também faz parte da história da cidade. Estudar lá era um privilégio não só para a Sofia, como para todos os outros alunos. Assim ficava inquieta em ver a Sofia perder tantas boas experiências, e não desenvolvendo sua psicomotricidade (viu como eu sou inteligente?).
 Com música tudo flui com mais facilidade, ela passou a ir até os outros brinquedos. E nossa cantoria também atraia as outras crianças das outras classes, as vezes só iniciava a brincadeira, e elas mesmas davam prosseguimento. Eu ficava cada dia mais feliz com as mudanças de rotina, e as conquistas de Sofia. Acontece que num dia fatídico, tudo se esclareceu melhor para mim; o motivo pelo qual Sofia ficava mais no canto, como a Baby de Dirt Dancing. Conversava num banco do parque com a professora da garota, num local que podia ver e ser vista por Sofia, agora que éramos amigas ela confiava em mim e se sentia segura com a minha presença. Quando vi de longe uma coleguinha de classe, puxar Sofia de um brinquedo pelos cabelos. Sim. As professoras presentes ficaram com tanta vergonha, que fingiram que não viram. Mas eu que sei, que é de pequeno que a porca torce o rabo, relatei no meu caderninho, e avisei o Centro de Apoio.
 Não culpo a menina, acho que as crianças de comportamentos ruins só estão imitando os defeitos dos pais. Como a pequena delinquente é filha de gente importante da cidade, demorou para que alguma providência fosse tomada. Mas vocês percebem uma coisa muito simples, mas ao mesmo tempo tão importante? Autistas não circulam em determinados locais não por uma dificuldade deles em lidar com certas situações, mas sim por bloqueios pessoais, das pessoas que se dizem “normais”.
 O ápice da minha curta história com Sofia, foi quando eu e ela conversávamos, sim, cheguei a um ponto de conseguir conversar com ela, com gestos e sons, e as cantigas infantis. Que eu perguntando sobre seu dia, como ela estava se sentindo, o que achava do tempo, essas coisas… ela disse para mim com todas as letras: “C a p e t a”. Fiquei encantada, ela nunca me tinha dito qualquer palavra tão perfeitamente e com um tom tão de acordo com sua idade. Depois fiquei sabendo que pessoas muito religiosas apontavam pessoas autistas desde a antiguidade como sendo algum tipo de manifestação satânica. Eu tive a sorte de conhecer Sofia, que a meu ver era um anjo, uma filósofa por natureza.

Continua…