sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Ansiedade de Período de Fim de Ano

 Não gosto de fogos de artifício barulhentos, nunca gostei, mas agora tenho o adendo de que eles aceleram meu coração. Aconteceu isso no Natal, quando deitei na cama depois de tomar remédios que me dão sono, começaram os fogos. E eu sonolenta ouvindo aquilo, deitada em uma posição que de repente se tornou incomoda, senti meu coração acelerar, como se eu fosse uma criança e nunca tivesse passado por um reveillon. Finais de ano sempre me deixaram apreensiva não sei porque, na verdade nada realmente vai acontecer, são as pessoas que tornam esse período um grande evento. Não entendo a felicidade de comemorar finais. Não gosto de finais, nunca gostei e agora além de tudo ando com uma sensação de vazio muito estranha que nunca tive na vida.
 Essa sensação me faz querer estar perto de alguém, sempre gostei de ficar sozinha, mas essa nova sensação assustadora me faz pensar que seria bom ter alguém com quem pudesse contar. Percebi que sou uma pessoa muito sozinha, nunca tinha me atentado a isso. Eu era a Rainha Elsa de Frozen que ficava hiper feliz no seu castelo de gelo afastado de todos, mas essa doença da alma está me transformando em alguém que eu não quero ser. Medrosa e dependente. Não que precisar da companhia de outras pessoas seja algo ruim, mas também não queria me sentir mau quando estivesse sozinha, como aconteceu comigo no Natal, enquanto eu assistia TV e subitamente senti essa coisa terrível que é a ansiedade, e até então eu não entendia completamente.
 Nada está acontecendo e você tem a percepção de que algo terrível está prestes a acontecer. Na hora não pensei em buscar companhia dos meus familiares, mas depois percebi que a simples presença de alguém já melhorava bastante esse sentimento. O ruim é que não me é possível ter sempre alguém por perto. E nem é saudável não conseguir ficar bem com a própria companhia. E estou pensando nos fogos de fim de ano, que me incomodam, e possivelmente vão deixar meus gatos apreensivos. Gostaria de ter um daqueles fones que cortam o som de fora, para só assistir as luzes, mas infelizmente não tenho. Tanto para os bichos como para crianças, acredito que esses fogos barulhentos deveriam ser proibidos. E como todos estão festejando, eu tenho a impressão de que estou perdendo alguma coisa de bom. E na verdade não é nada, o fim de ano, o Natal, só é importante quando você está do lado de pessoas que te importam. E eu ultimamente só penso que minha família importa.
 Estou bem distante de amigos, e de fazer amizades sinceras, estou realmente sentindo falta disso. Busquei pensar nos meus colegas de faculdade, e percebi que a grande maioria eu desejo distância. Percebi que até alguns filmes de ação andam me fazendo mau, espero voltar ao meu normal que é total Rainha Elsa feliz no seu palácio de vidro, em breve. E com meus gatos seguros em casa. Talvez quando as festas acabarem.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Bossa Nova



 Pra mim sempre foi difícil de entender como uma cidade que é tão violenta, tenha sido o berço de um ritmo tão calmante. Que inspira tanta gente, junta tantos casais, embala sono de bebês... O período agora é de guerra contra as favelas, ou será se sempre foi? Nunca vi tantas notícias de pessoas perdendo a vida sem um bom motivo. Se é que existe motivo para tal. O Rio está vivendo uma espécie de extermínio de gente pobre. Charlie veio de família rica. Eu não. Esse já era um bom motivo para que brigássemos, as vezes, eu chamava ele de burguesinho, e ele me chamava de política de botequim. Éramos jovens demais, e estávamos apaixonados. A paixão leva as pessoas a roupantes de agressividade constrangedores para quem olha de fora. Por isso, em nossa viagem que fizemos ao Rio, na época, tudo financiado pela família dele, nós ouvíamos músicas como para equilibrar nossa relação, e nossos sentimentos em relação ao outro.
 Sabe como é complicado gostar de alguém e ao mesmo tempo por vezes querer distância dessa pessoa. Daí ela saí, e você se sente sozinho e vazio? Nós precisávamos apenas da presença um do outro, nem era necessário, e as vezes era o melhor, ninguém dizer nada. Apenas estar presente, a companhia era o mais importante. Não queríamos falar, só queríamos nos beijar, abraçar, e fazer amor ouvindo música. Além de conhecer o Brasil. Eu quando pequena viajava muito de carro com meus pais. O Charlie não, nasceu e cresceu no Rio Grande do Sul. Eu fui crescendo e perdi a vontade, além de ter mesmo um pouco de medo de viajar para muito longe. A ideia de viajar durante as férias da faculdade foi dele. Queria me levar ao Sul, conhecer seu Estado, mas eu não quis. 
 Charlie: Porque não? Você pode conhecer minha família.
 Capitu: Acho um pouco cedo para isso não?
 Charlie: Eles me perguntam se tenho amigos, queria te levar lá. E comprovar que eu estou me relacionando com seres humanos.
 Capitu: (Sorrindo) Nada contra, mas o Sul é muito frio. E não era o Sul que queria se separar do resto de nós? Vocês teriam que inventar um nome novo para virar um país independente. 
 Charlie: É bem a cara dos sulistas, pessoal meio antissocial.
 Capitu: Eu queria um dia ir no Rio de Janeiro, acho o lugar mais bonito e controverso desse país.
 Charlie: Não é meio perigoso?
 Capitu: Sim, e empolgante também.
 Depois de muita especulação e negociação, lá fomos nós ao Rio de Janeiro. Eu queria passear pelas danceterias, e conhecer os bailes funk. O Charlie queria conhecer os pontos turísticos, e torrar na praia. Fizemos os dois. Charlie não gostava da música agressiva, mas gostava de me ver dançar. O morro é frequentado muitas vezes por pessoas que não são da comunidade, estão apenas em busca da diversão. Da música, das drogas... do sexo, mas como eu já disse, o casal Síndrome do Pânico não quis se drogar. Apenas a música e a bebida já nos deixou bem perturbados. Foi muito divertido, se perder com ele por lá, fizemos muitas amizades. Agora vendo as notícias das mortes no morro pela PM, fico pensando que podia ser nós dois ali, mortos dentro de alguma viela. Estamos vivendo um governo de morte. 
 Charlie: Lembra quando a nossa vida era só diversão, depois bossa nova para acalmar e conseguir dormir tranquilos?
 Capitu: Faz tanto tempo. Você tem alguma nova companhia para circular por aí?
 Charlie: Não tenho mais. O que você vai fazer esse ano?
 Capitu: Não faço a mínima ideia, tudo que eu planejei deu errado.
 Charlie: Eu não tava afim de nada, mas você sempre me dá vontade de sair por aí. Vamos para o Rio de novo?
 Capitu: Eu acho que não é um bom momento.
 Estávamos os dois deitados na cama conversando, eu com minhas pernas jogadas em cima das pernas dele. Ouvíamos música, nosso encontro nos deixou eufóricos, e precisávamos nos acalmar.
 Charlie: É, eu vi as notícias, é muita gente perdendo a vida por nada. Como você está se sentindo?
 Capitu: Impotente.
 Charlie: Isso você não é, esse período vai passar.
 Capitu: Sempre me irritou você ser sempre tão positivo.
 Charlie: Confie. Escuta a música, se a gente se encontrou de novo é por algum motivo.
 Capitu: A gente se encontrou porque você me chamou, e eu vim.
 Charlie: E você está disponível, e precisando de mim por algum motivo. 
 Ele tinha razão.

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segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

A Gente Junto Não Rola

 Estava feliz, não tinha como negar, sexo casual com o Charlie, era ao mesmo tempo que uma sobremesa deliciosa surpresa. Também era muito aconchegante e familiar, afinal de contas, já tínhamos sido casados. Eu ri muito, e ele também, porque parecia que estávamos fazendo algo de errado. E por isso mesmo foi mais gostoso ainda, eu adoro a sensação que é a minha pele contra a dele. O corpo dele geralmente é mais frio que o meu, me dá uma sensação de refrescância tocá-lo no começo da transa. Mas depois que a gente foi se fundindo, nossas peles tinham a mesma temperatura, e até mesmo o mesmo cheiro. Um cheiro novo, a mistura de nós dois formava uma nova fragrância. 
 Eu gosto tanto de sexo, que tenho uma necessidade de querer conduzir tudo, isso é um dos motivos que nem nesse momento paramos de falar. É uma transa com palavras, não ficamos em silêncio. Discutimos o tempo todo, e perguntamos o que cada um quer fazer. Eu já tive alguns namorados, que eu poderia comparar com o Ted Bundy, parecem caras legais, mas quando você vai conhecendo mais a fundo fica com medo. E a melhor solução é terminar tudo e manter distância, fingir mesmo que nunca conheceu. Um desses uma vez me prejudicou muito seriamente nos meus estudos. Ou seja, o cara era um assassino do meu futuro mesmo.
 Mas por sorte conheci o Charlie que é puro amor, e tranquilidade, que não é capaz de fazer mau a uma mosca, e com quem pelo menos enquanto durou eu tive um relacionamento estável e feliz. Foi um dos melhores períodos da minha vida. Ele só libera essa energia mais masculina de destruição na hora do sexo mesmo, e isso me agrada muito. Porque nunca sei como ele vai estar, ele não tem nenhum tipo de preconceito sexual, e topa tudo que eu peço. E nesse dia ele estava muito carente, tanto quanto eu. Ficamos juntos a noite toda, e ele dormiu comigo, dormi segurando a sua mão entre as minhas. Nunca gostamos de conchinha, ou dormir abraçados, no máximo nossas pernas entrelaçadas. 
 Eu acordei primeiro que ele, e pude ter alguns minutos de observar quem eu amei tanto dormir tão tranquilamente. Não queria que ele acordasse e a gente caísse na real, era domingo, e tínhamos que nos despedir, cada um seguir sua própria vida. Eu tinha em mim que não queria tentar de novo, eu não sabia o que ele pensava. Porque quando fica assim atrevido, assume uma personalidade diferente, e fala muita bobagem, apenas para se divertir e não para levar a sério. O Charlie é um pouco frio, e nunca gostou que eu dissesse que o amava. Ele só disse que me amava uma vez, quando fui assistir sua peça, e fiquei acordada até o final, disse que tinha achado tudo lindo. Porque tinha mesmo, nunca menti para ele. Ele encenou uma adaptação de "A Mão e a Luva" de Machado, e eu fiquei impressionada, desde o início até o final. Ele era o cara que não fica com a moça no final. Foi estupendo.E eu disse para ele. E a resposta logo veio:
 Charlie: Eu te amo Capitu. Você me ama?
 Capitu: Sim eu te amo.
  E desde então ele não gosta que eu diga que o amo, e não precisa porque vou amá-lo para sempre de qualquer jeito. Estando casada com ele ou não, sempre desejo que ele esteja bem. Agora estávamos nos dois nus na cama de solteiro, espremidos e com as mãos entrelaçadas. Eu observava sua respiração. Quando ele abriu os olhos teve alguns segundos de confusão, aparentava não se lembrar de nada, mas rapidamente se lembrou, e sorriu. Eu vi esses pensamentos na sua cabeça só pela sua expressão.
 Charlie: Bom Dia D. Capitolina.
 Capitu: Bom Dia Sr. Charles.
Charlie: Pelas dores que eu sinto no corpo parece que nosso encontro atingiu seu objetivo máximo.
 Capitu: Você já veio com essas intenções?
 Charlie: Eu vim matar a saudade de você. E a gente não decepciona mesmo, foi perfeito. Que horas é o café aqui? Tô morrendo de fome.
 Capitu: Eu acho melhor você ir embora, não quero que ninguém nos veja juntos.
 Charlie: Agora já é tarde o restaurante estava cheio.
 A cama quentinha sua respiração tão próxima, como eu estava precisando daquilo.
 Capitu: Ninguém ali ligou pra gente, agora de dia as pessoas vão perceber.
 Charlie: Eu tô morrendo de fome.
 Capitu: Meu amor, a gente junto de novo, não rola.
 Ele não gostou que eu chamei ele de "meu amor", ficou puto.


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