sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Jantar Surpresa Irrecusável

  Até porque quando não é nenhuma data especial, e um monte de gente aparece do nada, você acha meio estranho. E logo procura uma forma de sair de fininho. Infelizmente saco vazio não pára em pé, e tem dias que não quero ver pessoas. Por isso, a modalidade engula tudo bem rápido, se tornou parte das minhas habilidades. Inseri Charlie nesse meu mau hábito, o de evitar pessoas e situações ao longo do nosso relacionamento. E ele que sempre foi um ser sociável por natureza foi se tornando outra pessoa por minha causa, talvez esse seja um dos motivos de termos nos separado. Viramos um só, e isso foi se tornando problemático. Sabe aquela coisa que os casais parece que viraram aqueles gêmeos super heróis que não se desgrudam, se vestem e igual e agem assim também? Pois é, ninguém nos suportava mais.
 Nos apelidaram casal "síndrome do pânico", sempre fugindo de reuniões com o pessoal cool, ou com aqueles que se acham cool. Eu adorava ter alguém com quem eu podia contar para ser bem esquisita. A família dele assim como a minha adora jantares surpresa, e nós sempre odiamos. Esse é o problema de ainda morar com os pais, do nada você acaba esbarrando com um total desconhecido na sua própria cozinha. 
 Charlie: Esse foi um dos motivos de eu ter saído de casa, ido para outro estado. Aprender a me virar sem a minha família. E o melhor lado disso, é evitar os jantares surpresa. Sabe?
 Era interessante como eu entendia exatamente o que ele queria dizer, sem ele ao menos me explicar. Será se é ruim, ser um pouco antissocial em determinados dias? Eu relaciono esse meu comportamento com a minha personalidade e também com a minha TPM. Agora o Charlie, é porque ele é o Charlie. Ele tem uma habilidade de fazer amizade com todo mundo sem realmente se aprofundar no relacionamento. Tem sempre uma parte dele, que é inacessível, a todos os seus múltiplos amigos e colegas. Ele consegue entrar em contato sem realmente se doar. Já eu sempre tive o problema de me expor demais. Não consegui aprender com ele, eu sempre falo demais, é só começar. Ele acha isso engraçado,  quando vejo já falei o que não devia.
 Várias vezes me arrependi de coisas que disse, que magoaram, ou principalmente irritaram pessoas. Por isso não gosto de surpresas, não suporto mudanças. Convivendo comigo, ele acabou virando um insetinho que se esconde nas sombras também. Acho que começamos a definhar quando ele percebeu que estava indo longe demais, mudando demais, deixando de ser quem ele era. Eu tive meu período longe da família, mas assim que terminei a faculdade, voltei a morar com eles em Brasília.
 Charlie: Quais as novas manobras pra fugir das conversas surpresa, e ir se esconder no seu quarto? Eu sei que você ainda faz isso.
 Capitu: Onde você tá morando agora?
 Charlie: Isso importa?
 Capitu: Sim.
 Charlie: Tô morando no Rio. 
 Capitu: Rio de Janeiro? Que incrível, cidade mais bonita do mundo.
 Charlie: É bom pra mim, muitos teatros, perto do mar. Eu adoro. Mas você não respondeu minha pergunta.
 Capitu: Ah sei lá, ainda me sinto ridícula, sabe como é, não olho diretamente para ninguém, para não puxarem assunto, agora tem os smart fones, finjo que tem alguma coisa muito importante para eu averiguar. Eu sou muito criativa.
 Charlie: Você não acha que está deixando de viver coisas importantes, evitando se relacionar com as pessoas?
 Capitu: Você acha?
 Charlie: Bom depois que a gente se separou ninguém mais me chama de "síndrome de pânico". E quando eu quero privacidade, disfarço muito melhor do que você, disso eu tenho certeza. O ator sou eu.
 Capitu: Eu duvido, sou campeã, em sair de fininho.
  Comemos muito bem, eu macarrão e ele peixe. Meu apetite que tinha sumido fazia uns dias, voltou com tudo. Dividimos bolo com sorvete como antigamente. As vezes tinha uma sensação esquisita de onda na cabeça, por causa dos dejavus, que nosso jantar estava acarretando. Ao ponto dele perceber, e perguntar se estava tudo bem.
 Capitu: Sim, só lembranças. Você também não está se sentindo meio solto no ar?
 Charlie: Como assim?
 Capitu: Eu ando tendo essa sensação, de desconexão.
 Charlie: Você está se cuidando? Eu andei preocupado com você, os portais de fofoca diziam que você estava tendo um surto.
 Capitu: Eu estou me cuidando, não se preocupe.
 Como eu ia dizer para ele, que boa parte do meu colapso era por causa da falta dele? Caí na armadilha de me conectar a alguém de uma forma que hoje eu vejo que não foi saudável. Ele se foi, e uma parte de mim desabou. É não é culpa dele, não é culpa de ninguém. Ficamos um tempo raspando o fundo do taxo da sobremesa e se observando. Era maravilhoso voltar a sentir o cheiro dele, e nossas mãos se roçavam de vez em quando. Ele propôs que caminhássemos um pouco, eu disse que achava perigoso.
 Charlie: Você não relaxa nunca, nada vai acontecer. Onde você está hospedada?
 Eu sabia onde ele queria chegar, com ele tudo se transforma em algo casual. Até transar com a ex esposa.
 Capitu: Nem adianta.
 Charlie: Nem adianta o quê?
 Capitu: Eu sei o que você tá tentando fazer, não é uma boa ideia.
 Charlie: Ninguém nem vai desconfiar... ( e sorriu)
 Capitu: O que? (risos)
 Charlie: Ah, você veio até aqui só pra jogar baralho? 
 Nessa conversa adorável andávamos pelo centro de SP. As ruas desertas, com pequenos grupos aqui e ali, me agradavam e muito, e ele sabia disso. Essa é a minha ideia de encontro perfeito, só eu e ele e mais ninguém. 
 Capitu: Mais quanta arrogância!
 As vezes, ele ficava assim, e isso me deixa feliz, porque no geral ele sempre era muito humilde. Parecia que na minha presença, ele podia soltar os cachorros. Ficava a vontade para ser implicante. Meu telefone tocou e era minha mãe Carolina querendo saber se eu estava bem. Charlie começou a tirar sarro de mim, parecia mesmo que tínhamos voltado no tempo e nada tinha mudado, todo esse exagero de cuidado da minha mãe sempre me irritou e foi motivo de implicância dele.
 Charlie: Deixa eu falar com ela? (sussurrando)
 Estávamos sentados em um ponto de ônibus. Fiz sinal que não, foi quando ele fingiu que ia pegar o telefone da minha mão, mas na verdade me deu um selinho. A boca dele ainda tinha o gosto do vinho que tinha acabado de tomar. Por isso, tinha o rosto de pele muito branca um pouco rosado. Eu devolvi o beijo de forma mais intensa, quando vi estávamos nos agarrando no meio da rua. Coloquei minhas pernas em volta da cintura dele, e ele apertava e massageava minhas costas, e pelo resto do meu corpo. Coisa que eu adoro, sempre fui muito nervosa, e sempre tive muita dor nas costas. Isso sempre me relaxou.
 Rosto quentinho e com gosto e cheiro de vinho, seu cabelo muito fino tinha cheiro de coco, e as roupas de amaciante barato. Charlie nunca usou perfume, eu gostava disso, seu perfume era o cheiro da sua própria pele. Doce, mas um pouco ácida. Eu consigo distinguir de longe. Não sei quanto tempo ficamos assim. E eu que só pretendia voltar para meu quarto de hotel de estudante, minúsculo e com uma cama de solteiro sozinha. Voltei com companhia. 
 Na cama nunca tivemos problemas, pelo contrário, só soluções. Ele gosta de ir tirando as peças do meu vestuário devagar. Enquanto que tira sua própria roupa de uma só vez. Eu sempre achei isso por si só um bom motivo para amá-lo.


Contínua...

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